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TOPOLOGIA: FATOS HISTÓRICOS E CURIOSIDADES
Jonathan Gil Müller – jgmuller21@gmail.com
Tânia Baier – taniabaier@gmail.com
Universidade Regional de Blumenau – FURB/PPGECIM
Rua Antônio da Veiga, 140 – Bairro Victor Konder
Blumenau – SC
Resumo: Este artigo é resultado de pesquisa bibliográfica sobre o início da criação da
topologia, a área da matemática popularmente denominada geometria de borracha. Para um
topólogo, interessam as propriedades qualitativas dos objetos matemáticos que são
independentes de tamanho e forma. Em topologia são pesquisadas as propriedades que não
se alteram sob transformações contínuas. Neste texto estão descritas, de modo informal e
acessível aos leigos em matemática contemporânea, três situações clássicas que marcaram a
história da topologia. É apresentado o problema das pontes de Königsberg estudado por
Euler por meio de um diagrama hoje denominado grafo. Também é explicado o teorema das
quatro cores, relacionado com a atividade de colorir mapas geográficos, que serviu de
impulso para o desenvolvimento da teoria dos grafos. A fita de Möbius é descrita por meio de
um modelo que pode ser construído em papel, possibilitando o entendimento de suas
surpreendentes propriedades. O estudo destes curiosos objetos topológicos possibilita que a
matemática seja entendida como uma ciência em contínuo processo de criação.
Palavras-chave: Topologia, Pontes de Königsberg, Fita de Möbius, Teorema das quatro
cores.
1 UMA VISÃO INFORMAL DA TOPOLOGIA
Bergamini (1969, p. 176) apresenta, por meio de uma linguagem acessível aos leigos em
matemática avançada, um “tipo especial de geometria, relativo às maneiras pelas quais as
superfícies podem ser torcidas, empenhadas, puxadas, estendidas e sofrer outras deformações,
de uma aparência para outra.”. Para esse autor, no mundo das matemáticas contemporâneas,
encontram-se notáveis trabalhos e produções que estão formando um conjunto extravagante
de figuras e objetos fascinantes. Tal campo recebe, na atualidade, a denominação de
topologia.
A topologia teve seu início como um ramo da geometria, no decorrer do século XX
passou por algumas generalizações e envolveu-se com diferentes ramos da matemática, sendo
que atualmente compõe, juntamente com a álgebra, a geometria e a análise, parte fundamental
da matemática. (EVES, 1995).
Restringindo-se ao seu aspecto de origem geométrica, Eves (1995, p. 666) explicita que
“[...] pode-se considerar a topologia como o estudo das propriedades das figuras geométricas
que permanecem invariantes sob as transformações chamadas transformações topológicas;
isto é, sob aplicações contínuas que têm inversas também contínuas.”. De modo mais
resumido, o autor afirma que a topologia pode ser definida como o estudo da continuidade em
matemática e que as formas geométricas se referem a um conjunto qualquer, não vazio, de
pontos em um espaço tridimensional ou maior.
O entendimento do conceito de invariância é fundamental para a compreensão de
determinados tópicos em álgebra, geometria, análise, física teórica e do próprio invariante
topológico. Bell (1985, p.435, tradução nossa) apresenta uma descrição informal de
invariância: “Invariância é a falta de mudança em meio à mudança, a permanência em um
mundo que varia, persistência de configurações que continuam iguais apesar [...] de
incontáveis transformações curiosas.”.
Segundo Eves (1995), são denominadas propriedades topológicas aquelas que conservam
uma figura geométrica invariante sob as transformações topológicas. Duas figuras, tal que
cada uma pode transformar-se topologicamente na outra, são consideradas topologicamente
equivalentes. Para Boyer (1996), a topologia pode ser denominada popularmente geometria
de borracha, pois deformações de um balão, por exemplo, sem furá-lo ou rasgá-lo, são
exemplos de transformações topológicas e um círculo é topologicamente equivalente a uma
elipse.
De um modo amplo, Bell (1985, p. 469, tradução nossa) explica: “[...] a topologia se
ocupa das propriedades qualitativas intrínsecas das configurações espaciais, que são
independentes de tamanho, situação e forma.”.
Bergamini (1969) relata que é comum os matemáticos descreverem um topólogo como
sendo o homem que não vê diferença entre uma rosquinha e uma xícara de café. Embora não
seja possível transformar uma verdadeira rosquinha em uma xícara de café, pode-se provar
que topologicamente são a mesma coisa, ou seja, do ponto de vista teórico essa transformação
é possível.
Às vezes os topólogos lidam com superfícies que ninguém poderia construir; outras
vezes concebem figuras que parecem impossíveis – por exemplo, uma superfície de
um lado apenas. Seu mundo especial de Matemática pura se estende desde aparentes
brinquedos de crianças até difíceis abstrações que deixam até os entendidos
atrapalhados. (BERGAMINI, 1969, p. 176).
Para esse autor os objetos topológicos passam por transformações topológicas, ou seja,
sofrem mudanças nas suas formas mantendo imutável certas propriedades básicas.
Durante o século XX, algumas investigações matemáticas não seguem a linha de
pesquisas relacionadas com métodos da análise matemática que priorizam fórmulas e passam
a valorizar as representações visuais:
Do século XVII em diante, o estilo europeu da matemática mudou gradualmente a
partir da geometria, a matemática das formas visuais, para a álgebra, a matemática
das fórmulas [...] Poincaré inverteu essa tendência [...] voltando novamente para os
padrões visuais. No entanto, a matemática visual de Poincaré não é a geometria de
Euclides. É uma geometria de um novo tipo, uma matemática de padrões e relações
conhecida como topologia. (CAPRA, 1998, p.109).
O aspecto visual da topologia possibilita o entendimento dos conceitos elementares dessa
fascinante área da matemática, mesmo para aqueles que só cursaram o ensino fundamental. A
seguir, neste trabalho, são apresentadas, de modo informal e acessível aos leigos em
matemática contemporânea, três situações clássicas que marcaram a história da criação da
topologia: o problema das pontes de Königsberg, a fita de Möbius e o teorema das quatro
cores.
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA CRIAÇÃO DA TOPOLOGIA
Um episódio característico do século XX, segundo Bell (1985), é a percepção de
mudança a respeito do conceito de geometria, sendo importante caracterizar a geometria
relacionada com um específico estágio de seu desenvolvimento, pois, períodos diferentes de
sua história distinguem-se pela adoção de modos distintos de classificá-la. Desde o início da
geometria, com Euclides, seguindo através da criação das geometrias não euclidianas, uma
importante contribuição para o modo geométrico de pensar o conjunto das matemáticas,
segundo preceitos de Bell (1985, p.339, tradução nossa), foi “[...] a topologia do século XX,
que alguns acreditam que é o começo de um novo tipo de modo matemático de pensar.” .
A topologia firma-se com o desenvolvimento da ciência contemporânea, tratando-se
assim de uma ramificação atual da matemática. No século XX, muitos dos conceitos básicos
da matemática passaram por evoluções e generalizações notáveis e áreas de importância
fundamental, como a teoria dos conjuntos, a álgebra abstrata e a topologia se desenvolveram
enormemente. De modo geral, a topologia trabalha com aspectos qualitativos e não
quantitativos de matemática, fornecendo uma ruptura com o estilo prevalecente no século
XIX. (EVES, 1995).
Investigações isoladas acerca de questões de natureza topológica são realizadas por
Gottfried von Leibniz, no fim do século XVII, o qual, prevendo um campo muito rico,
utilizou o termo geometria situs para nomear uma matemática qualitativa, considerada hoje
parte da topologia. Por exemplo, a propriedade da superfície de um poliedro fechado simples,
v – a + f = 2, onde v, a e f são respectivamente o número de vértices, arestas e faces do
poliedro, é uma das descobertas topológicas mais antigas, anunciada primeiramente por René
Descartes, em 1640, e provada por Leonhard Euler em 1752. (EVES, 1995).
A fórmula v – a + f = 2, estudada na educação básica, “[...] é um exemplo de invariante
topológico em um espaço de três dimensões. Schläfli (suíço) generalizou em 1852 a fórmula
de Euler para um espaço n. Isso nos coloca diante de uma breve descrição do modo
combinatório de abordar a topologia.”. (BELL, 1985, p. 471).
No ano de 1736, antes de provar a propriedade da superfície de um poliedro fechado
simples, Euler, através da abordagem do problema das pontes de Königsberg, já havia
contribuído para o desenvolvimento da topologia através dos grafos lineares. Carl Friedrich
Gauss elaborou duas demonstrações do teorema fundamental da álgebra por meio de
conceitos topológicos, além de voltar sua atenção para a teoria dos nós, um ramo da
topologia. Francis Guthrie, por volta de 1850, lançou a conjectura conhecida por teorema das
quatro cores, também investigado por Augustus De Morgan e Arthur Cayley, entre outros.
Nessas épocas a topologia era denominada de analysis situs. (EVES, 1995).
O termo topologia é introduzido por meio da publicação de um livro intitulado
Vorstudien zur Topologie, publicado por um discípulo de Gauss, Johann Benedict Listing, em
1847. Gustav Robert Kirchhoff, também aluno de Gauss, empregou, em 1847, os conceitos de
grafos lineares no estudo de circuitos elétricos. Mas, entre todos os discípulos de Gauss,
Bernhard Riemann foi o que mais contribuiu para a topologia, introduzindo em sua tese de
doutorado, no ano de 1851, conceitos topológicos no estudo da teoria das funções de variável
complexa. Por volta de 1865, August Ferdinand Möbius escreveu um artigo ressaltando que
as superfícies poliédricas eram consideradas simplesmente como uma coleção de polígonos
ligados entre si e criou uma superfície de uma só face e uma só aresta conhecida como faixa
de Möbius. James Clerk Maxwell, em 1873 usou de ferramentas topológicas no estudo dos
campos eletromagnéticos. Hermann von Helmholtz e Lord Kelvin (William Thomson) foram
físicos que aplicaram com sucesso ideias topológicas. Henri Poincaré encontra-se entre os
primeiros contribuintes para a topologia e é o autor do primeiro artigo dedicado
exclusivamente à topologia, denominado Analysis situs, publicado em 1895, onde introduz a
importante teoria da homologia em dimensão n. (EVES, 1995).
Resumindo a importância da obra de Poincaré, Bel1 (1985, p. 474, tradução nossa) relata:
“Os especialistas estão de acordo que o ano de 1895 em que Poincaré publicou sua Analysis
situs marca o fim da época das trevas neste assunto e o começo do saber topológico.”. Na
década em volta da virada do século XX, Poincaré publicou vários artigos que se tornaram a
base da topologia. Na avaliação de Eves (1995, p.668): “Com o trabalho de Poincaré, a
topologia avançou bastante e um número cada vez maior de matemáticos entrou nesse
campo.”.
Poincaré desenvolve uma abordagem diferenciada para a matemática e substitui
[...] os métodos quantitativos, precisos, mas limitados, por métodos qualitativos, que
levam mais longe, mas fornecem uma imagem menos distinta. A posição histórica
de Poincaré é ter sido um mestre dos primeiros e um inventor dos segundos. Ele será
o mais incisivo crítico dos métodos quantitativos e o grande precursor dos métodos
qualitativos. (EKELAND, 1993, p. 48).
Eves (1995) cita cientistas importantes que realizaram contribuições em topologia:
Oswald Veblen (1880 – 1960), James Waddell Alexander (1888 – 1971), Solomon Lefschetz
(1884 – 1972), Luitzen Egbertus Jan Brower (1881 – 1966) e Maurice Fréchet (1878 – 1973).
No decorrer da criação da topologia, o conceito de figura geométrica moldado por
Möbius, Riemann e Poincaré, como sendo um conjunto finito de partes fundamentais ligadas
entre si, deu lugar ao conceito cantoriano de um conjunto arbitrário de pontos. Qualquer
conjunto de objetos, seja um conjunto de números, de entes algébricos, funções ou objetos
matemáticos, pode constituir um espaço topológico. As pesquisas orientadas por esta última
visão, ficaram conhecidas como topologia conjuntiva, estruturada em 1914 com o livro
Grundzüge der Mengenlehre de Felix Hausdorff, enquanto as pesquisas norteadas pela visão
anterior receberam a denominação de topologia combinatória ou topologia algébrica.
(BOYER, 1996; EVES, 1995).
3 ENTENDENDO TOPOLOGIA ATRAVÉS DE IMAGENS
Três transformações estão apresentadas nas figuras 1, 2 e 3, onde objetos são
transformados uns nos outros, por diversos procedimentos, sem serem partidos nem rasgados.
Na figura 1 pode ser constatado que esfera e cubo são topologicamente equivalentes. Na
figura 2 observa-se que uma rosca apresenta um buraco, de modo que pode ser
topologicamente transformada em uma caneca. Na figura 3 observa-se que um objeto com
dois buracos é topologicamente equivalente a um açucareiro.
Figura 1 – Esfera e cubo: equivalentes topologicamente. Fonte: Bergamini (1969, p.178)
Figura 2 – Rosca e caneca: só um buraco. Fonte: Bergamini (1969, p.178)
Figura 3 – Dois buracos: uma propriedade topológica. Fonte: Bergamini (1969, p.178)
Nos três exemplos as formas são alteradas, mas ficam conservadas as propriedades
relacionadas com a existência de buracos.
Para um topólogo, não interessam as medidas dos objetos estudados, mas sim, as
propriedades que não se alteram sob transformações contínuas. Buracos são objetos
topológicos: um biscoito com um buraco no meio e uma xícara de café são, para o
topólogo, a mesma coisa, uma vez que ambos possuem apenas um buraco. (BAIER,
2005, p.88).
Objetos topológicos podem ser transformados sendo dobrados, torcidos, esticados.
Propriedades topológicas são aquelas que se conservam após deformações que não
provocaram rasgaduras.
Rodrigues (2011) relata uma experiência pedagógica relacionada com topologia. Com
massa de modelar, alunos construíram um objeto com forma de cubo e rolaram nas mãos até
formar um objeto com forma semelhante a uma esfera. Em seguida, ainda com massa de
modelar, modelaram uma rosquinha com um furo no meio e foram questionados quanto à
possibilidade de construir uma xícara com essa rosquinha, sem tirar ou acrescentar qualquer
quantidade de material. Através desta atividade, é possível associar as transformações
topológicas com o fato de uma criança lidar com uma bola de massa de modelar. O ato de
espremê-la e amassá-la em formas diferenciadas possibilita o entendimento de transformações
topológicas, desde que a quantidade de massa de modelar usada não seja partida ou rasgada.
Encerada a atividade, os alunos concluíram que, a respeito da rosquinha e da xícara, ambas
possuem um buraco e a quantidade de massa de modelar é a mesma para as duas.
Segundo Rodrigues (2011, p. 93): “Atividades envolvendo conceitos da topologia ou
geometria das transformações despertam o interesse dos educandos, sendo uma forma de
mostrar que a geometria euclidiana não é a única geometria possível.”.
3.1 O problema das pontes de Königsberg
Uma situação clássica e pioneira no desenvolvimento da teoria que, na atualidade, é
conhecida como teoria dos grafos, foi o problema das pontes de Königsberg, estudado pelo
matemático suíço Leonhard Euler no ano de 1736:
A teoria das redes é uma das formas mais práticas da Topologia, com aplicações aos
circuitos elétricos e à Economia. Foi criada a cerca de 200 anos por Leonhard Euler
que resolveu dois problemas de Topologia 100 anos antes do nome ter sido sequer
mencionado. (BERGAMINI, 1969, p. 188).
Na época de Euler, em Königsberg, o rio Pregel ramificava-se no centro da cidade
formando duas ilhas, dividindo assim a cidade em quatro regiões de terra distintas interligadas
por sete pontes, conforme ilustra a figura 4. (LIMA, 1988).
A figura 4 apresenta um mapa da cidade de Königsberg, datado em aproximadamente
1740, com as pontes que existiam naquela época.
Figura 4 – Mapa da cidade de Königsberg.
Fonte: Gullberg (1997, p. 201)
Conforme relata Penha (1983), o povo da cidade de Königsberg gostava de realizar
passeios aos domingos e perguntava a respeito da possibilidade de alguém planejar seu
passeio de tal forma que passasse por todas as sete pontes uma única vez, sem voltar a cruzar
qualquer uma delas novamente e retornando ao ponto de partida.
Em 1736, em um artigo clássico, Euler resolveu o problema provando sua
impossibilidade, porém, o mais extraordinário é que Euler não se limitou a resolução do
problema. Ele continuou suas investigações desenvolvendo e fundamentando uma teoria
aplicável em diversos problemas do gênero, hoje denominada de teoria dos grafos, que,
segundo Penha (1983, p.12), é considerada “[...] uma parte hoje adulta e independente da
topologia”. Euler constatou que, para um problema desse tipo, as distâncias são de pouca
importância, sendo relevante o modo como regiões distintas interligam-se entre si.
O problema das pontes de Königsberg pode ser estruturado da seguinte maneira: existem
quatro parcelas de terra, separadas pelas águas do rio Pregel, sendo elas: A (norte), B (ilha
central), C (sul) e D (leste). O diagrama mostrado na figura 5, adaptado de Lima (1988, p.
37), é provavelmente o primeiro grafo usado como modelo matemático para a resolução de
um problema. Ele ilustra as interligações entre as secções de terra da cidade de Königsberg,
onde os quatro pontos A, B, C e D, que representam as quatro parcelas de terra, recebem o
nome de vértices e as linhas que ligam os vértices, representando as pontes, são chamadas de
arestas, tendo como extremidades os vértices. O diagrama montado desse modo, chamado de
grafo, contém toda a informação relevante para o problema.
Figura 5 - Grafo das sete pontes de Königsberg. Fonte: Lima (1988, p. 37)
Através deste modelo, Euler verificou que o trajeto desejado somente seria possível se
cada parcela de terra possuísse um número par de pontes. A solução deste problema é
considerada o primeiro teorema em teoria dos grafos. (SZWARCFITER, 1984).
O matemático Leonhard Euler, além de colocar os fundamentos da atual teoria dos grafos
fez importantes contribuições para a matemática. Nasceu em Basiléia, na Suíça, em 15 de
abril de 1707. Seu pai, Paul Euler era um pastor calvinista e esperava que seu filho também
seguisse a carreira teológica. Quando ainda jovem, em 1723, Euler entrou na Universidade de
Basiléia estudando com Jean Bernoulli e seus dois filhos, Nicolaus e Daniel Bernoulli, sendo
estes fundamentais para Euler encontrar sua vocação para a matemática. Com o apoio de seu
pai e dos Bernoulli, Euler recebeu uma vasta instrução, somando ao estudo da matemática,
teologia, medicina, astronomia, física e línguas orientais. (BOYER, 1996; EVES, 1995).
Devido ao excesso de trabalho, em 1735, Euler perdeu a visão do olho direito o que não
diminuiu sua produção e pesquisa. Publicou mais de 500 obras, incluindo artigos para revistas
e livros inéditos. Escreveu obras para todos os níveis, até materiais didáticos para escolas
russas. Cerca de meio século após seu falecimento, suas obras continuavam sendo publicadas
na Academia de São Petersburgo. “Sua pesquisa matemática chegava em 800 páginas por ano
durante toda sua vida; nenhum matemático jamais superou a produção desse homem que
Arago caracterizou como ‘Análise encarnada’.”. (BOYER, 1996, p.304).
Em 1741, Euler aceitou o convite de Frederico o Grande para assumir a cadeira de
Matemática na Academia de Berlim onde permaneceu por vinte e cinco anos. Retornando a
Academia de São Petersburgo em 1766, nesse mesmo ano, Euler soube que estava perdendo a
visão do olho esquerdo, a única que restava, devido à catarata. Preparou-se para cegueira
treinando a escrita de giz em uma grande lousa e ditando aos seus filhos. Em 1771 foi
operado, mas o sucesso da operação durou apenas poucos dias e Euler passou o restante de
sua vida totalmente cego. (BOYER, 1996).
De 1727 a 1783 a pena Euler esteve ocupada aumentando os conhecimentos
disponíveis em quase todos os ramos da matemática pura e aplicada, dos mais
elementares aos mais avançados. Além disso, em quase tudo, Euler escrevia na
linguagem e notação que usamos hoje, pois nenhum outro indivíduo foi tão
grandemente responsável pela forma da matemática de nível universitário de hoje
quanto Euler, o construtor de notação mais bem sucedido de todos os tempos.
(BOYER, 1996, p. 305).
Euler faleceu no dia 18 de setembro de 1783, aos setenta e seis anos, vítima de uma
parada cardíaca.
3.2 A fita de Möbius
“Os topólogos se deliciam em criar formas esquisitas e objetos estranhos.”
(BERGAMINI, 1969, p. 182). É nesse contexto que o matemático e astrônomo alemão
Augustus Ferdinand Möbius (1790 – 1868) criou um dos mais curiosos objetos topológicos,
hoje denominado fita de Möbius, que possui um lado apenas, porém o artigo em que
descreveu este notável objeto foi publicado somente após a sua morte. A fita de Möbius
possui algumas propriedades inesperadas e pode ser construída com uma tira de papel, onde,
primeiramente dá-se meia volta e em seguida colam-se seus extremos. É impossível a tarefa
de colorir uma fita de Möbius com duas cores diferentes, uma para cada lado, pois conforme
afirma Bergamini (1969, p. 182) “Nem mesmo Picasso pode fazer isso com a fita de Möbius”.
Trata-se de uma fita de um lado só, logo seria impossível pintar este único lado com duas
cores distintas sem misturá-las, conforme a figura 6.
Figura 6 – Colorindo a fita de Möbius. Fonte: Bergamini (1969, p. 182)
Ao cortar a fita de Möbius ao meio, nos deparamos com mais uma de suas propriedades
particulares. O esperado é que a mesma se divida em duas partes, mas, conforme está na
figura 7, o resultado não são duas partes e sim uma única fita, porém agora com dois lados, ou
seja, uma fita comum. Segundo os matemáticos acontece o seguinte: a fita de Möbius, por
possuir apenas um lado, contém apenas uma aresta, ao cortar a fita ao meio estamos
acrescentando mais uma aresta, e consequentemente, um segundo lado.
Figura 7 – Fita de Möbius cortada ao meio. Fonte: Bergamini (1969, p. 182)
Iniciando o corte da fita de Möbius em um terço da largura da fita, conforme ilustrado na
figura 8, nos deparamos com mais uma de suas inusitadas propriedades se continuamos a
cortar em duas voltas na fita. Como resultado final, temos outra surpresa: são duas fitas
entrelaçadas, sendo uma delas um anel de dois lados e a outra uma fita de Möbius.
Figura 8 – Fita de Möbius cortada em um terço de sua largura. Fonte: Bergamini (1969, p. 183)
Além da topologia, o nome do alemão August Ferdinand Möbius está ligado outros
objetos matemáticos importantes, como a função de Möbius, introduzida em 1831, e a
fórmula da inversão de Möbius, sendo que também escreveu importantes trabalhos sobre
astronomia. Aos 13 anos Möbius já demonstrava um interesse pela matemática, mas seguindo
os desejos de sua família, iniciou a graduação em direito na universidade de Leipzig, porém
durante o primeiro ano de estudo optou em seguir suas próprias preferências, passando a
estudar matemática, astronomia e física. Sua maior influência durante seu tempo em Leipzig
foi seu professor de astronomia Karl Mollweide, que apesar de ser um astrônomo, forneceu
um grande número de descobertas matemáticas. Em 1813, Möbius viajou para Göttingen para
estudar astronomia com o famoso matemático Gauss e depois foi para Halle, onde estudou
matemática com Johann Pfaff. Sua carreira como professor não foi fácil, não era tido como
bom docente, sendo que muitas vezes tinha que anunciar a gratuidade de suas aulas a fim de
atrair o interesse dos alunos. Em 1844, recebeu um cargo na área de astronomia na
Universidade de Leipzig e, em seguida, também ocupou cargos importantes no Observatório
dessa cidade onde, em 1848, tornou-se diretor. (O’CONNOR; ROBERTSON, 1997).
3.3 Colorindo mapas
Nos anos após a solução do problema das pontes de Köningsberg, feita por Euler, muito
pouco foi realizado e acrescentado ao seu trabalho. Somente em meados do século XIX,
alguns trabalhos isolados vieram a contribuir para o desenvolvimento da teoria iniciada por
Euler, e, dentre estes, se encontra o problema das quatro cores, relacionado com a atividade de
colorir mapas geográficos. (SZWARCFITER, 1984).
Colorir mapas foi outro problema excepcional para a topologia, particularmente mais
direcionado para a teoria dos grafos, primeiramente mencionado por August Ferdinand
Möbius, em 1840, e considerado com mais profundidade por Francis Guthrie e Augustus De
Morgan. A questão era: “[...] quantas cores são necessárias para colorir um mapa qualquer de
modo que todos os pares de países com fronteira comum não sejam coloridos com a mesma
cor?”. (CAJORI, 2007, p. 421).
A afirmação de que qualquer mapa pode ser colorido com quatro cores diferentes ficou
conhecida como o teorema das quatro cores. Inicialmente foram estabelecidas
experimentalmente quatro cores como sendo necessárias e suficientes e, Cayley, em 1878
admitiu que não foi capaz de obter uma prova geral. Historicamente o teorema das quatro
cores foi considerado como verdadeiro por mais de cem anos sem ter sido apresentada uma
demonstração formal. Este famoso problema foi resolvido com uso de computador somente
em 1974 por Kenneth Appel e Wolfgang Haken, da Universidade de Illinois. (FARMER;
STANFORD, 2003; CAJORI, 2007).
Segundo Farmer e Stanford (2003, p. 32, tradução nossa):
A demonstração foi controversa, uma vez que foi usado um computador para efetuar
parte dos cálculos. Algumas pessoas ainda não aceitam que todos os detalhes
tenham sido devidamente verificados, e ainda não foi efetuado um cálculo
independente do mesmo conteúdo.
Bergamini (1969, p. 184) apresenta o esquema mostrado na figura 9 e explicita um modo
de mostrar a validade do teorema das quatro cores:
A maneira mais simples de mostrar que quatro cores são necessárias para mapas
planos é traçar quatro regiões de modo que cada uma delas toca as outras três,
conforme o diagrama acima. Cada uma das três áreas externas exige sua própria cor,
ao passo que o centro precisa de mais outra.
Figura 9 – Teorema das quatro cores. Fonte: Bergamini (1969, p. 184)
O matemático britânico Augustus De Morgan, um dos alicerces do estudo do teorema das
quatro cores, filho do tenente-coronel John De Morgan, que morreu quando Augustus tinha
10 anos de idade, perdeu a visão do olho direito logo após seu nascimento e devido à sua
inaptidão física foi vítima de piadas e brincadeiras cruéis de seus colegas de escola. Em 1823,
com 16 anos, entrou para o Trinity College, em Cambridge, tendo aulas com Peacock e
Whewell, seus grandes amigos ao longo da vida. Em 1827, assumiu um cargo na
Universidade de Londres e, em 1828, tornou-se o primeiro professor de matemática na
Universidade College. Dentre algumas de suas principais contribuições para a matemática e
para a lógica, Morgan, em 1838, definiu e introduziu o termo “indução matemática” que
apareceu pela primeira vez em um artigo na Penny Cyclopedi, onde ao longo dos anos
contribuiu com 712 artigos. Em 1849, ele escreveu sobre trigonometria e álgebra dupla dando
uma interpretação geométrica para os números complexos e também criou as leis de Morgan,
consideradas como a sua maior contribuição na reformulação da lógica matemática.
(O’CONNOR; ROBERTSON, 1996).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A área da matemática hoje denominada topologia pouco aparece nos currículos da
matemática da educação básica, de modo que o estudante pode concluir que a geometria
euclidiana é a única possível. No presente artigo, a topologia é mostrada, de modo acessível,
por meio de imagens relacionadas com alguns aspectos possíveis de serem visualizados.
Espera-se que o texto contribua para que a topologia seja apresentada aos jovens que estão
cursando a educação básica. O grafo das pontes de Königsberg, a fita de Möbius e o teorema
das quatro cores são criações matemáticas cujo estudo desperta a curiosidade dos educandos.
As imagens visuais de interessantes objetos topológicos possibilitam o entendimento da
matemática como uma ciência viva em contínuo processo de criação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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como núcleo do currículo de matemática do ensino básico. Rio Claro, 147 p., 2005. Tese
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RODRIGUES, Georges Cherry. Introdução ao estudo de geometria espacial pelos
caminhos da arte e por meio de recursos computacionais. 2011. 143 p. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática,
Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, 2011.
SZWARCFITER, Jayme Luiz. Grafos e algoritmos computacionais. Rio de Janeiro:
Campus, 1984.
TOPOLOGY: HISTORICAL AND CURIOUS FACTS
Abstract: This article is the result of research conducted on libraries about the beginning of
the creation of topology, the Mathematics branch popularly called rubber geometry. The
topologist is interested in the qualitative properties of mathematical objects that are
independent of size and shape and Topology conducts researches on properties that do not
change under continuous transformations. This paper describes three classic situations that
marked the history of topology, in an informal and accessible way for those who are laymen
in contemporary mathematics mode. We present the Königsberg bridge problem, studied by
Euler by using a diagram that today is called grafo. We also explain the four-colour theorem,
related to the activity of colouring geographic maps, which served as the impetus for the
development of graph theory. The Möbius strip is described by a model that can be built on
paper, giving us a better understanding of its amazing properties. The study of those curious
topological objects allows the Mathematics to be understood as a science in continuous
process of creation.
Key-words: Topology, Königsberg bridges, four-colour theorem, Möbius strip.
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