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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
AS FALAS E OS SILÊNCIOS DO MANGUE ATRAVÉS DO ARTESANATO: UM ESTUDO
DE CASO EM AD DAS MULHERES FATECHAS - PE 2014-2016
Patrícia Araújo dos Reis 1
Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão 2
Resumo: O artigo elaborado se propõe a analisar a produção de discursos de gênero e de poder
elaborados durante a interação com a equipe do Projeto Design Sustentável Paulista Criativa
(PDSPC) com o grupo feminino de marisqueiras denominado Mulheres Fatechas. O estudo é
exploratório e de observação participante. A contextualização se dá durante a execução do Projeto
Design Sustentável Paulista Criativa (PDSPC) que ocorre entre outubro de 2014 a Junho de 2015.
Um dos objetivos da pesquisa envolve identificar nas falas das artesãs do Projeto Design
Sustentável Paulista Criativa a formação discursiva, as condições de produção de discurso e
interdiscurso nas falas das marisqueiras-artesãs, da equipe do projeto citado e da liderança da
Colônia Z-2. As autoras deste trabalho em andamento buscam evidenciar desdobramentos de
discursos nas áreas de produção de artesanato. Será destacada nas análises de AD, a produção de
discurso, a partir da perspectiva da liderança da Colônia Z-2 (masculina), o empoderamento
feminino construído na fala do grupo de mulheres envolvidas com a dinâmica da produção artesanal
e as reflexões identitárias e de gênero provocadas pela equipe do Projeto já citado. O estudo partirá
dos fundamentos teóricos de Foucault, Van Dijk e Orlandi. A análise de dados ocorre por meio de
leituras de relatórios do projeto, observação de material fotográfico e consulta à dissertação
denominada Com.par.trilhando Caminhos para a Inovação Social.
Palavras-chave: Análise de Discurso. Gênero. Artesanato
O Projeto Design Sustentável Paulista Criativa (PDSPC) foi idealizado por uma equipe
multidisciplinar onde o seu propósito agregou as atividades de consultoria e formação diversificada,
buscando a consolidação do grupo produtivo de mulheres marisqueiras que realizavam produções
artesanais com técnicas básicas desta atividade com certas limitações de autogerenciamento de
matérias primas, planejamento de recursos, manejo específico de ferramentas, existência de um
precário relacionamento com o potencial público consumidor e o mercado de artesanato local e não-
local. Até o início da execução do citado projeto, era inexistente a prática de gestão de negócios
voltada ao artesanato ou alguma diretriz ou posição de liderança para a organização desta atividade,
além das atividades extrativistas relacionadas à pesca de no mangue3. Desse modo, as Mulheres
Fatechas4 de Paulista, surge como coletivo produtivo formado a partir da realização do Projeto
1 Mestranda em Extensão Rural e Desenvolvimento Local na Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife,
Pernambuco, Brasil. 2 Professora Titular da Universidade Federal Rural de Pernambuco atua na Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento
Local, em Recife, Pernambuco, Brasil.
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Design Sustentável Paulista Criativa e apoiado pelo edital das Lojas Renner voltado para o
empreendedorismo feminino. O citado projeto foi executado de outubro de 2014 a junho de 2015. O
grupo por sua vez ainda se encontra no processo de construção de autonomia de gestão (2016 a
2017), onde o grupo de Mulheres Fatechas recebeu assessoramento por sete meses com capacitação
nas áreas de design, administração e economia criativa (entre 2014 e 2015).
O conteúdo das aulas relacionadas à economia criativa e gestão de grupo, por exemplo, tinha
por uma das metas despertar entre as alunas o protagonismo feminino aliado à capacidade criativa
do grupo destas mulheres envolvidas. No entanto, ao longo do processo de discussões sobre as
temáticas como empreendedorismo feminino e assuntos relacionados a gênero e poder, a
facilitadora e a equipe envolvida perceberam um movimento de introspecção e de omissão por parte
de alguns participantes (tínhamos um pescador no grupo). Contudo, este movimento “contrário” era
advindo de uma parte do grupo de alunas as quais não expressavam opiniões sobre as temáticas
planejadas e dispostas nos planos de aula. Existiu uma dissidência silenciosa entre os participantes,
os quais alguns apenas observavam as outras colegas que se expressavam com ousadia e
entusiasmo. Assim, no desdobramento da execução das atividades de gestão de grupo é que
surgiram os questionamentos que dialogam com a importância de se observar os discursos
internalizados ou expressos por cada sujeito envolvido nesta trajetória de vivências que refletiu por
muitas vezes expressões de pensamentos ou opiniões silenciadas ou disputas ideológicas de poder
endógenas ou discursos com base dialogal, construtivista e libertário vindos de ambientes externos
ao coletivo (equipe do projeto e parceiros).
Desta forma, a autora participante da equipe executora do projeto, identifica a necessidade
de analisar os discursos presentes no processo da execução do projeto e os que ainda estão presentes
(2016 a 2017) e que ainda hoje circundam ainda o grupo de mulheres que por medo da liderança da
Colônia de Pescadores, não mais adotam o nome Mulheres Fatechas (identidade construída
coletivamente) não agregando à produção atual, “silenciando” o conceito elaborado pelo trabalho
coletivo, democrático e discutido entre a equipe e as marisqueiras envolvidas no processo criativo.
Houve de certa forma uma ruptura significativa, mas positiva de posicionamento do grupo feminino
envolvido frente à realidade que até então era comum, aceita, mas velada. Os questionamentos
sobre a realidade de subjugação era inexistente. A inclusão de outras ideologias, através de
intradiscursos verticalizados (contextuais) que eram advindas de outras lideranças ou de outros
sujeitos, provocaram um desconforto e paralisia no processo de manipulação aplicado pelo
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interdiscurso horizontalizado (histórico e de memória coletiva), através do poder exercido pela
liderança masculina autoritária e não dialogal para a qual existia apenas a submissão sem
contestações ideológicas com posturas protagonizadas pelos sujeitos da colônia. Ou seja, o presente
estudo se propõe a realizar leituras sobre os discursos internalizados na produção artesanal destas
mulheres marisqueiras que se tornam artistas-artesãs e em diálogo constante com o local em que
vivem e os enfrentamentos que surgem (ou já existiam potencialmente) no ambiente familiar, na
Colônia de Pescadores, entre as colaboradoras/alunas e a sua relação com a equipe do projeto.
Metodologia
Através da análise dos relatórios do projeto e do material fotográfico e de divulgação, as
autoras buscam evidenciar desdobramentos de discursos nas áreas de produção de artesanato e o
que os mesmos remetem através da produção artesanal destas mulheres. Será destacada nas
análises de AD, a produção de discurso, a partir da perspectiva da liderança da Colônia Z-2
(masculina), o empoderamento construído no discurso do grupo de mulheres envolvidas com a
dinâmica da produção artesanal e as reflexões identitárias e de gênero provocadas pela equipe
do Projeto já citado. A partir do exposto, a pesquisadora irá dispor de questionamentos sobre a
condição feminina frente aos processos reprodutivos e produtivos e como se expressam e o que
pretendem dizer nas formas e produtos obtidos a partir de reflexões advindas de um grupo
externo (equipe do Projeto) atrelado às novas matrizes de repertórios e a redescoberta de
símbolos locais do imaginário coletivo. Ou seja, a partir da criação de peças artesanais e da
realização de releituras do patrimônio histórico e cultural do município de Paulista (estudo
iconográfico), pode existir a partir do processo criativo o estímulo à criação de peças artesanais
que expressem a sua própria realidade e a identidade individual e coletiva de cada envolvido. A
pesquisa, portanto, busca respostas sobre as possibilidades de uma linguagem cultural e
produtiva que reúne em seu arcabouço e desdobramentos discursos de resistência e de
apropriação positiva sobre a essência e funcionalidade das formar de ser, saber e fazer.
A produção acadêmica de Flávia Lira Pereira Wanderley que também compôs a equipe do
projeto, focando em sua dissertação a perspectiva antropológica do Coletivo Mulheres Fatechas será
também analisada, visto que existe uma construção epistemológica e empírica com o processo da
produção artesanal e a natureza, a partir do olhar da inovação social do design. São considerados
pela autora a importância de dimensionar o processo criativo, através da subjetivação, onde os
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sujeitos envolvidos possam expor o que realmente pensam e refletem. Sendo que através de
instrumentos que possam validar a sua memória herdada, suas significações e posturas diversas
sobre discursos impostos e manipulados pelo outro e que podem inibir a criatividade pessoal e a
produtividade coletiva, sendo que no caso específico do Coletivo Mulheres Fatechas, Flávia Lira
Pereira Wanderley (2016) comenta que em:
“Em Foucault, os processos de subjetivação estão ligados às construções do sujeito em sua relação com o mundo numa
dimensão temporal e corpórea, ou seja, a constante transformação do corpo [orgânico, inorgânico, material, imaterial]
que vai ao encontro das coisas [artefatos, ideias, sensações etc] do mundo. Subjetivação pode ser entendida como
‘práticas refletidas e voluntárias através das quais os homens não somente se fixam regras de conduta, como também
procuram se transformar, modificar-se em seu ser singular e fazer de sua vida uma obra” (FOUCAULT , 2006, apud
LIRA, 2016, p.77).
Nesta ótica a produção artesanal pode vir a ressignificar os modos de fazer do coletivo,
onde a fala e o silêncio ganham forma nas produções reprodutivas e produtivas do sujeito que é
feminino, mas que representa discursos variados e reflexivos sobre sua condição social, cultural
e econômica, através do processo criativo dialogado com a memória coletiva do local em que
vivem: Paulista. A partir do diálogo com a natureza, com os parceiros potencializados no
processo (Prefeitura de Paulista e Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco) e com os
elementos considerados adversários ao novo processo em construção: a criticidade, o desafio de
enfrentamento com novas possibilidades de conhecimentos e repertórios e a legitimidade de se
estar no mundo para transformá-lo. Desse modo, são consideradas as relações de força e de
submissão atreladas às posturas individuais e coletivas do grupo em formação e de construções
de símbolos e de sentidos. O processo criativo e de produção artesanal desenvolvido pelo
(PDSPC) representa neste estudo uma referência singular importante para a análise das
identidades das marisqueiras-artesãs e da equipe multidisciplinar envolvida que possui no
processo protagonismo e resistência. Desta forma, foi analisada a trajetória do discurso não
formalizado e formalizado em documentos nos marcos regulatórios ou legais e nas peças
publicitárias elaboradas pela equipe. Entretanto, as falas expressas na dinâmica da criatividade
do grupo de onde se fala (o lugar) e a intervenção direta ou indireta na a natureza dos atos ( a
posição), posturas e estratégias de resistência materializadas podem comunicar através das
peças artesanais os possíveis discursos interiorizados, escondidos ou manipulados pelo
interdiscurso da história da pesca artesanal, do município de Paulista , das Políticas Públicas
voltadas às atividades pesqueiras e de ações que envolvem a o exercício da cidadania por estes
sujeitos.
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O perfil das mulheres marisqueiras e esposas de pescadores da Colônia Z-2 de
Paulista
A partir do levantamento de dados realizado pela equipe do Projeto, constatou-se que a
maioria das mulheres marisqueiras e mulheres de pescadores integradas ao projeto possuem entre
40 e 60 anos, sendo 5% brancas, 10% negras e 85% pardas. A escolaridade deste grupo permeia a
realização de estudos até a quarta série do Ensino Fundamental, e apenas 1% com Ensino Médio
completo. Entre os anos 2014 e 2016, a receita média mensal é de R$ 200,00, somando com os
benefícios sociais recebidos pelas famílias e a venda dos mariscos. Estas mulheres dos pescadores e
marisqueiras também sofrem nos períodos de baixa da pesca, e assim como seus maridos, precisam
buscar alternativas para ganhar o sustento de suas famílias, cuja renda familiar não ultrapassa dois
salários mínimos. A renda destas famílias é complementada pelos benefícios de Programas Federais
de Assistência Social, como a Bolsa Família ou aposentadoria por invalidez (ocasionada pela
insalubridade da prática da atividade de mariscagem) para algumas. Percebe-se que nas falas das
marisqueiras existe uma constante busca de justificativas de sua condição social e econômica. É
quando o discurso reflete o sujeito falante e sua realidade, segundo Orlandi (2005). Pode-se validar
a importância da utilização da AD nas análises de formação de discurso e de sua produção e
repetição no intradiscurso dos sujeitos analisados, a partir da perspectiva da (s) liderança(s) da
Colônia Z-2 (masculina), do empoderamento feminino e de suas limitações para que seja efetivado
o processo de protagonismo seja familiar, na colônia de pescadores ou no mercado de trabalho. .
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Quando as Marisqueiras se tornam Fatechas: processo criativo e produtivo
O reencontro com a âncora artesanal citada pelo “pescador C” no workshop ambiental
realizado em uma das etapas do projeto que tinha por meta visitar o mangue e refletir sobre a
vivência dele (as) e a relação de troca com a natureza, suscitou nas marisqueiras a ideia de serem
fortes e unidas. Logo, o coletivo opta pelo símbolo composto em sua materialidade por pedra sabão
(encontrada em abundância nos manguezais), corda e madeira. Ao decorrer das aulas, as
denominadas fatechas iniciam a sua produção artesanal com atividades de exposição e mostras de
produtos com vendas diretas. É lançada uma coleção possuidora de três linhas: souvenir,
utilitário/decorativo e acessório de moda. E assim, as falas a partir de lugares e de posições do
coletivo começam a mudar e criar espaços de disputas de poder, de reflexão e de autoafirmação. O
grupo de aproximadamente 29 mulheres se divide entre as que acreditam no potencial do projeto e
aquelas que não se dispõem a colaborar com as atividades, seguindo os conselhos da liderança da
Colônia que ao perceber os resultados positivos e abrangentes do projeto, ora se torna colaborador
para se autopromover e ora se dispõe a “sabotar” os processos de interlocução e divulgação da
equipe do projeto frente às oportunidades de parcerias e de vendas (difusão e vendas das linhas de
produção).
A equipe percebe que ao decorrer do percurso se torna necessária a manutenção de ações
pontuais para legitimar e fortalecer o grupo em seus processos de consolidação como Mulheres
Fatechas, como por exemplo: atividades que possam aprofundar de técnicas de produção, vendas e
formatos de promoções, manuseio de ferramentas para montagem e acabamento das peças
concebidas e na pesquisa, concepção e experimentação de outros produtos. Mas, é na aplicação da
abordagem dialogada e compartilhada advinda da compreensão da representação do simbólico, do
saber da oralidade, do repertório sobre o local em que vivem e a escolha de matérias primas
renovável o coletivo pode significar e ressignificar os seus valores pessoais e históricos. Desse
modo, a oportunidade de produzir com responsabilidade social e ambiental com sustentabilidade
para o grupo propõe maturidade ao coletivo, propiciando ideias de rede não só de pesca artesanal,
mas de colaboração com outras entidades ou associações com os mesmos propósitos.
O papel conjunto com as designers do projeto possibilitou o trabalho de reconhecimento das
matérias primas como quenga de coco, capim barba de bode, mariscos e escamas de peixe e suas
diversas aplicações no processo criativo do grupo. E durante a produção, as fatechas perceberam
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alternativas de sustentabilidade ao que se refere aos insumos utilizados na produção artesanal para
aumentar o processo de escolhas e manter reservas de matérias primas. Isto porque com a
compreensão anterior da iconografia, do patrimônio cultural e do território das Mulheres Fatechas
do Paulista, etapas propostas no planejamento do projeto executado, houve a necessidade da
imersão deste grupo de mulheres em suas referências simbólicas e identitárias reconhecidas,
reinventadas e revisitadas na memória coletiva destas mulheres.
Ainda discorrendo sobre a abrangência do projeto, visualiza-se no planejamento deste a
realização de oficinas voltadas para a experimentação de novas técnicas de produção de artesanato
com inovação e produção de sentidos, a partir de vivências coletivas e de intercâmbio com outros
coletivos produtivos, incluindo a realização de oficinas design dos produtos, gestão da produção e
comercialização (técnicas de vendas e armazenamento), com foco no empreendedorismo feminino e
criativo, de forma associativa. Este último ponto que envolve a colaboratividade e agrega as
diferenças para o bem comum, suscitou no grupo diversos debates que tornaram o coletivo mais
dinamizador, espontâneo e proativo nas ações propostas pelas facilitadoras. Contudo, ao longo do
desenvolvimento do PDSPC surgiram duas oportunidades de fechamento de bons negócios e de
difusão positiva com informações relevantes sobre o conceito e processo criativo das Mulheres
Fatechas: a participação delas na XVI FENEART – Feira Nacional de Artesanato:
https://www.facebook.com/fenearte , a maior feira de artesanato na América Latina, no stand
institucional da Secretaria de Mulher de Pernambuco- Centro de Convenções de Pernambuco,
juntamente com mais quinze associações de artesãs e uma exposição com comercialização que
apresentou um lucro significativo realizada em um hotel do Trade Turístico do município de
Paulista. Entretanto, a partir desta fase de distribuição de renda do lucro de vendas e da autonomia
do processo de gestão financeira é que surgem os primeiros conflitos e disputas de poder sobre o
protagonismo feminino das mulheres e a condução da gestão financeira do grupo. A equipe do
projeto se posicionou a princípio de forma conciliativa e dialogada com a liderança que possuía
postura coercitiva e discurso autoritário. Porém, o grupo multidisciplinar em todos os momentos
conflituosos precisou intervir através de diálogos com mediações, precisando por fim de se
posicionar junto às entidades públicas e parcerias envolvidas.
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Controle do Discurso na Perspectiva de Foucault e Princípios do Discurso a partir de
Orlandi
Orlandi (2005) nos leva a observar o quanto o sujeito político não é neutro diante de
signos ou códigos expostos no seu cotidiano, pois quando estimulado, os sentidos e a
consciência o tornam um ser atuante e apto a reivindicar de maneira intrínseca à sua própria
história de vida (intradiscurso) e contextualizar a realidade em marcos histórica mais
abrangente, relacionando seu cotidiano atual com outros formatos de rotinas ou costumes
anteriores e existentes à sua vivência atual (interdiscurso). As Mulheres Fatechas durante sete
meses de participação no projeto puderam perceber o quanto a linguagem e a ideologia
(anteriores à sua formação como coletivo) podem dialogar ou discordar com o poder
estabelecido.
As interpretações de realidade surgem e brotam independentes da formação do indivíduo,
pois este já existe no meio da linguagem pré-codificada por outros indivíduos. Sobre este aspecto,
Orlandi (2005, p.10) nos fala que “[...] Ao falar, interpretamos. Mas, ao mesmo tempo, os sentidos
parecem estar lá”. Contudo, percebemos que nas falas das mulheres do citado coletivo de artesanato
Mulheres Fatechas, podem surgir questionamentos sobre temáticas relacionadas aos direitos
adquiridos, mas ainda não exercidos pela maior parte do grupo. Isto reflete outro ponto sobre a
observação da metodologia participativa que permite ao grupo refletir sobre o acesso e o pleno
exercício de cidadania do grupo analisado. Constata-se que a institucionalização dos direitos e
deveres (Colônia e Pescadores ou órgãos públicos) possuem regimentos, guias ou roteiros prévios
de como discursar para adquirir e manter os contratos sociais (documentos ou marcos legais) que
permitem a garantia à moradia, à alimentação, à aposentadoria, à saúde, entre outras necessidades
básicas para se viver em sociedade.
Sendo assim, o grupo observado se equipara com o corpo social que interpreta estas
necessidades de possuir e exercer a sua própria identidade. E para existir na sociedade da linguagem
e de códigos estabelecidos anteriormente (interdiscurso) é preciso seguir “rituais” de cidadania para
que sua própria existência possa ser garantida e legitimada. Sendo assim, complementa-nos Orlandi
(2005) “ Os sentidos estão sempre ‘administrados’, não estão soltos”. Podemos relacionar a esta
assertiva, por exemplo, à burocratização e exigências para que se efetive a legalização da profissão
e a garantia de direitos previdenciários a serem garantidos a esta classe produtiva e a escolha
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conflituosa entre se declarar pescadora ou artesã para não perder as garantias ou seguros
assistenciais.
Ou seja, o grupo feminino de pescadoras e marisqueiras sentem a pressão social que se
torna institucionalizada de práticas anteriores ao seu próprio nascimento, pois o mesmo coletivo já
pertenceu e herda o contexto histórico de sua ancestralidade (Interdiscurso). Ou seja, a linguagem
que forma o sentido e que rege os seus cotidianos sempre existiu, assim como a história de outros
sujeitos envolvidos com a atividade pesqueira , entre outras práticas econômicas e sociais. Desta
forma, todos estão submetidos à formação social e às formas de controle de interpretação, ambas
historicamente determinadas. (ORLANDI, 2005).
As falas identificadas nos relatórios do projeto avaliado apresentam ao mesmo tempo uma
unidade silenciosa revolucionária e de construção do protagonismo feminino e uma fragmentação
discursiva omitida muitas vezes pelo medo, pela desinformação e insegurança frente aos modelos
conservadores de exercício do poder, a partir de posturas patriarcais da liderança da Colônia Z-2.
Isto porque é pela linguagem que os discursos formulados pelos sujeitos das instituições promovem
em parte, a negação da fala e do seu sentido a partir da invisibilidade das classes sociais menos
providas do poder econômico ou ao acesso interpretativo de conceitos que levariam à reflexões
sobre direitos e deveres.
A simbologia da linguagem do presente grupo e de sua relação com a natureza é latente,
contudo, a conscientização sobre a contingência sofrida pelo coletivo precisa ser legitimada pela
linguagem politicamente atuante e produtora de sentido. Existe a reprodução simbólica nos
discursos sobre as necessidades e indignação frente à violência, ao alcoolismo dos companheiros ou
vizinhos, à reação colérica por parte das colonas frente à fome enfrentada. Porém, o presente
discurso precisa da mediação necessária entre esta representação social coletiva e a realidade
natural e social na qual a mesma se encontra inserida. (ORLANDI, 2005).
E segundo Foucault e seus princípios (1987), a transformação da realidade de qualquer
grupo social, através do exercício da linguagem como produtora de sentidos depende da
permanência, da continuidade e do deslocamento de seus discursos (interdiscursos ou
intradiscursos) no contexto social. As marisqueiras artesãs da Colônia de Paulista buscam por
direitos coletivos externos, mas também refletem sobre o quanto na intimidade de seu grupo
existem diversas disparidades e fragilidades que ora culpam o estado de escassez ou falta de
trabalho, ora a falta de fé ou até mesmo o conformismo sobre sua má condição de vida em muito
dos discursos apresentados pelos relatórios pedagógicos e de produção do projeto, bem como, na
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observação da pesquisadora que fez parte da equipe principal do projeto. Contudo, o repertório
discutido durante as sessões possibilitava ao coletivo observado a presença de posturas diante
temáticas que suscitavam questionamentos sobre a condição de ser coletivo, do universo feminino e
atuante na sociedade. As reflexões suscitavam discursos omissos e não falados sobre questões que
inquietavam e reproduziam ideologias presentes durante séculos na história local e nacional, mesmo
estando o grupo localizado no município de Paulista, possuidor de um polo industrial representativo
na economia do estado de Pernambuco.
Percebe-se ainda que em pleno século XXI, a materialização de um projeto e de seus
resultados pode incomodar a hegemonia patriarcal de uma liderança, explorando e submetendo as
rotinas e fragilidades de comunidades tradicionais, as quais possuem repertório histórico próprio e
atrelado à sua condição (de gênero, social e econômica), às práticas de políticas públicas ou
iniciativas inovadoras aos seus próprios interesses pessoais e políticos. As marisqueiras e suas
famílias sentem seja na produção de sentidos de mensagens de alerta, na busca por sua
sobrevivência no mangue, ou seja, na produção de peças decorativas a urgência de emitirem
códigos que os tornam mais cidadãs e legitimados por outros grupos sociais que regem os contratos
que liberam documentos, aprovam leis ou aposentam as marisqueiras ou pescadoras que são
também “chefes de família”, que criam seus filhos e netos à margem do mar e da sociedade
institucionalizada.
Sendo assim, onde encontramos este grupo de mulheres reais e de homens legítimos que
estão na história, mas não produzem sua própria história segundo Orlandi (2005, p.19 ) “ a Análise
de Discurso pressupõe o legado do materialismo histórico, isto é, o de que há um real da história de
tal forma que o homem faz história mas esta também lhe é transparente”. Percebe-se que o coletivo
feminino da Colônia Z-2 possui um discurso que revela o inconsciente do grupo, no entanto este
não possui uma organização ideológica ou convenção codificada sobre as temáticas, pois falam de
violência doméstica e aparentemente desconhecem discussões de gênero e não se percebem em
contextos machistas reproduzidos há muito por seus antepassados. Sendo assim, Orlandi (2005, p.
20) nos comenta que “o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia”. Assim
podemos afirmar que a ideologia hegemônica se sobrepõe pelo poder da linguagem e pela produção
de sentido que convence o grupo social que não reflete sobre as desigualdades sofridas por ele.
Orlandi (2005, p. 21) afirma que “a linguagem serve para comunicar e para não comunicar”.
Sendo assim, os membros da Colônia Z-2 de Paulista precisaram de mediações para que esta
relação comunicacional fosse restabelecida pela ótica da partilha horizontalizada e não pelo poder
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verticalizado e patriarcalizado historicamente, tendo em vista que “as relações de sujeitos e de
sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados” (ORLANDI, 2005, p. 21). A equipe realizadora do
projeto proporciona a produção de sentidos, a partir do estímulo à reflexão de algo que já existia,
contextualizando a história, as necessidades e a luta por direitos do grupo observado. Confirmando
o que diz Orlandi que “o discurso é o efeito de sentido entre locutores” (2005, p.21 ).
Vale lembrar que discurso não se assemelha à fala no entendimento de linguística, pois o
discurso é recorrente ao fato histórico e com ausência de sistemática, sendo assim para Orlandi
(2005, p.22 ), “a língua é condição de possibilidade do discurso”.
Conclusões
Conclui-se então, que os discursos das marisqueiras e artesãs apresentam inconstância,
dúvidas e inseguranças sobre o que já foi constituído (marcos legais) por representatividades da
cidadania (órgãos públicos) e que por muitas vezes culpam a ausência de comprometimento das
autoridades ao não merecimento dos benefícios que lhes são aptos ou falta de fé suficiente no
sagrado (teocracia) e até mesmo na sua representatividade de classe (Colônia Z-2).
A formação discursiva destes sujeitos sociais depende das situações (ferramentas, espaço
social, códigos de linguagens e estímulos) e da memória coletiva para a produção de discurso que
por sua vez consegue relacionar nas suas narrativas as referências simbólicas da fome, violência,
abandono, doença e identidade, a partir de atividades produtivas e reprodutivas deste grupo.
A permissão para que o coletivo se expresse pode ser perigosa dependendo do lugar e
posição da fala do sujeito subalterno. É quando o coletivo enfrenta a realidade percebida e
diagnosticada por ele na concepção de uma peça artesanal, sendo que esta pode vir a ser
instrumento lúdico, mas denunciativo mesmo servindo de objetos de decoração ou de uso pessoal
estético. O reconhecimento da mensagem intrínseca na peça produzida pelo coletivo pode transmitir
discursos e silêncios e podem também pela contextualização histórica e social, denunciar realidades.
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Referências
FOUCAULT, Michel. El orden del discurso. 3ª Edição. Barcelona: Tusquets. 1987.
LEITÃO, Maria do Rosário de Fátima Andrade (org.). Pesca, turismo e meio ambiente/ 1 ed.
Recife: EDUFRPE,2014.
LEITÃO E CRUZ, Maria do Rosário de Fátima Andrade e Maria Helena Santana. Gênero e
Trabalho: diversidade de experiências em educação e comunidades tradicionais. Florianópolis : Ed.
Mulheres, 2012.
ORLANDI, E. P. 2005. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes. 2005.
Speeches and silences of Mangue through Craft: a case study in AD Women Fatechas -PE
2014-2016
Abstract: The elaborated article proposes to analyze the production of gender and power
discourses elaborated during the interaction with the Creative Design Paulista Creative Team
(PDSPC) with the female group of shellfish women called Fatechas. The study is exploratory
and participant observation. The contextualization takes place during the execution of the
Sustainable Paulista Creative Design Project (PDSPC) that takes place between October 2014
and June 2015. One of the objectives of the research involves identifying in the statements of
the Artisans of Sustainable Sustainable Paulista Creative Design the discursive formation, the
conditions Of speech production and interdiscourse in the statements of the shellfish-artisans,
the project team quoted and the leadership of the Z-2 Colony. The authors of this work in
progress seek to evidence unfolding of discourses in the areas of handicraft production. It will
be highlighted in the analyzes of AD, the production of discourse, from the perspective of the
leadership of the Z-2 (male) colony, the feminine empowerment built up in the speech of the
group of women involved with the dynamics of craft production and the reflections of identity
and Genre brought about by the Project team already quoted. The study will start from the
theoretical foundations of Foucault and Orlandi. Data analysis takes place through readings of
project reports, observation of photographic material and consultation of the dissertation called
Com.par.tracking Pathways to Social Innovation.
Keywords: Discourse Analysis, Gender, Crafts
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