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A educação contemporânea, o combate à pobreza e as demandas para o trabalho

do assistente social: contribuições para este debate

Contemporary education, the fight against poverty and the demands for the social worker’s work: contributions to this debate

Feliz daquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.

CoraCoralina

Simone Eliza do Carmo Lessa*

Resumo: ApresentamosdiscussãosobreacomplexarelaçãoentreaeducaçãocomopolíticapúblicaeavinculaçãodoServiçoSocialaela,emespecial,suaintegraçãoàescolapública,nestemomentodecrisedocapital.Trata-sedeumdebaterelevanteecrescentequeatraimuitaatençãoporseuaprofundamentorecenteepelaampliaçãodevagasnaárea.

Palavras-chave:Educação.Crisecapitalista.Escolapública.ServiçoSocial.

Abstract: Weintroduce thedebateon thecomplex relationshipbetweeneducationasapublicpolicyandtheSocialServicelinktoit,inparticular,itsintegrationintothepublicschoolatthecurrentmomentofcrisisofthecapital.Itisanimportantandgrowingdebatewhichattractsalotofattentionforitsrecentdeepeningandexpansionofjobsinthearea.

Keywords:Education.Capitalistcrisis.Publicschool.Socialwork.

*AssistentesocialdoInstitutodeAplicaçãoFernandoRodriguesdaSilveira(UERJ)edoutoraemSer-viçoSocialpelaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro(UFRJ),Brasil.E-mail:elizasimone@gmail.com.

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Introdução

A significativapresençadeassistentessociaiseestudantesdeServiçoSocial no recenteEncontroNacional ServiçoSocial naEducaçãorealizadopeloconjuntoCFESS/CressemAlagoas1—comaudiênciaem torno demil presentes2—demonstra o crescente interesse da

profissãoemtornodestetemaeáreadetrabalho.Concursosrecentesparaassisten-tes sociais nos Ifets (InstitutosFederais deEducação,Ciência eTecnologia) euniversidadespúblicas—paraatuação,especialmente,naassistênciaestudantil—eprefeituras—paraaçõesdeacompanhamentodasexpressõesdaquestãosocialnasescolas—tambémrevelamaampliaçãodevagasnocampoeducacional.

Nestamesmalinhaderaciocínio,destacamosaexistênciadeprojetosdeleiquerecomendamapresençadeassistentessociaisepsicólogosnoensinobásico,talcomooProjetodeLein.60/2007,emtramitaçãonaCâmaraFederal.Aindanoâmbitolegal,aLein.12.101/2009(Brasil,2009)tratadaobrigatoriedadedascha-madasinstituiçõeseducacionaisfilantrópicasdedisponibilizarembolsasdeestudosaosestudantesqueseencontrarememfragilidadesocioeconômica(tornando,estesespaços,importantesempregadoresdeassistentessociais),alémdarecentíssimaLein.12.677/2012(Brasil,2012),quedispõesobreacriaçãodecargosefetivosparaprofissionaisdaeducaçãojuntoaoMEC,dosquais589sãoparaassistentessociais. Partindodestes elementos, entendemos a necessidade de ampliarmosodebatesobreotrabalhodeassistentessociaisnocampodaeducação,eéissoquenospropomosnapresentereflexão.Paratanto,partiremosdoselementosdatota-lidadeemqueaeducaçãocontemporâneaseinscreve,buscandoatentamentesuasparticularidades.Nestepercurso,discutiremosaeducaçãocomopolíticapúblicanasociedadeatual,aampliaçãodoacessoaela,afragilizaçãodesuaqualidade,suasinterfacescomoutraspolíticaspúblicas,seusdilemasesuaspotencialidades.

Não restadúvidadequeaeducaçãoéumassuntoquedespertagrandesecontraditóriosinteressesporpartedocapitaledostrabalhadores.Arecentemobi-lizaçãode setores progressistas da sociedadebrasileira3 emprol dagarantia da

1.Emjunhode2012.2.Oeventotambémestevedisponívelparaacessonainternet,emtemporeal,oqueampliouaaudiência.3.Estavammobilizadosemtornodestamobilizaçãoemproldagarantiados10%doPIBentidades

comooCFESS,ABEPSS,Andes,Anel,Conlutas,Sepe.

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aplicaçãodos10%doPIBnaeducaçãoe,sobumoutroprisma,ofatodequeoPlanoNacionaldeEducação,emdebatenoCongressoNacional,proporaaplicaçãodesomente7%doPIBealongoprazo(somenteem2020!)sãoexpressõesdesteprocessodeinteressesdiversos.4

Nacompreensãodetaistensõesemtornodeprojetoseducacionaisdistintos,precisamosapreenderosmovimentoscontraditóriosemqueaeducaçãoseinse-re.Nestesentido,lembramosqueocapital,emespecialnacontemporaneidade,nãopodeprescindirdaeducaçãopordiversosfatores,dentreosquaisdestacamos:seuimensopotencialdeotimizaçãodaprodutividadeedolucro,suacapacidadedepotencializaravançostecnológicos,bemcomosuaspossibilidadesdeformarnichosprodutivosimportantesparaocapitaleparaaordemvigente.Alémdisso,precisamospensaraeducaçãofrenteàmundializaçãodapobreza(Chesnais,1996)porsuacapacidadedeprepararosmaispobresparaumavidaprodutivasubordi-nadaedesprotegida,masdenominadaideologicamenteempreendedora.Somadoaestequadro,frenteàcriseatualdocapitalismo—relacionadaàsuperprodução,àquedadospadrõesdeconsumo,àcrescentedesproteçãosocial,aoendivida-mentodeindivíduos,empresaseEstadoseàfinanceirizaçãodaeconomia(Gon-çalves,2008)—aeducaçãorecebeenfoqueespecialpelaspotencialidadesaquijáelencadas.

Ocapital,diantedareferidacrise,lançaexpectativasdenovotipoàproduçãoeàcirculaçãodeconhecimento—agoraconvertidoemmercadoriavendável—eparaaspolíticaseducacionais.Taispolíticastêmsidomaximizadasemsuaspoten-cialidades,porpareceremconterrespostasparaestemomentoemqueoshorizontesdaproteçãosocialseestreitam,odesempregocresce,osubempregoidem.Nestesentido,enquantoaprevidência,aassistênciasocialeageraçãodepostosdetra-balhoprotegidos,porexemplo,recebemdurascríticas(aprimeiraévistacomodeficitária,asegundacomofavorecedoradeumaposturaderesistênciaaotrabalhoeaterceiracomocaraesobretaxada),aeducaçãoparecedotadasomentedequali-dades,emespecialnoquetangeàqualificaçãopermanentedemãodeobraparaacessoaoemprego.Educar,portanto,pareceserumnegóciolucrativo5emváriossentidos.

4.Lembremosquehoje,cercade5%doPIBsãoaplicadosnaeducação.5.Nãoporacaso,osegmentoeducacionalprivado temcrescidosignificativamente.Comoafirmam

empresáriosdosetor,emrecenteentrevista,aáreadeeducaçãoprivadaexperimentagrandecompetitividadeentreasempresas(D’Elboux,2012).

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Nasociedadecontemporânea,atecnologiatemassumidolugardegrandedesta-que,mesmonospaísesperiféricos,nosquaissuapresençaaindaéfrágil.Estequadronãoéumanovidade,vistoqueaolongodoséculoXXbensproduzidospelaciênciaepela tecnologiaseaproximaramdocotidiano,atravésdoconsumo(Hobsbawm,1995).Oquevemoscomoumelementonovoéofatodequeosavançostecnológicosforamapropriadospelocapitaldemaneiraacriarafalsaimagemdequeestamosemumasociedadefuturista,deaparênciaimaterial,estruturadasobreoconhecimento6 e nãomaissobreotrabalhohumano.Talsituaçãosematerializanamaximizaçãodovalordosprocessoseducativosedaaprendizagempermanente.

Segundoestaconcepção—nãocoincidentementereforçadapororganismosdefinanciamentointernacional,comooBancoMundial—oconhecimentoéumbemqueestádisponívelatodos,adespeitodacondiçãodeclasse.Estenovo bem econômicoseriaoprincipalrecursodaeconomiaglobalizada,ouseja,seriaum“novocapital”,passíveldeserconquistadoporempenhodeordemindividual.

Esta é, no entanto, uma interpretação falaciosa da realidade, que revela aaparênciadeumfenômenoenãoofenômenoemsi(Kosik,1995),vistoquenãoestamosdiantedeumaefetivavalorizaçãodoconhecimentoemsentidoamploedaeducaçãoemparticular.LembremosdeHarvey(2003),quenosfaladasocieda-depós-modernaquevalorizaoefêmero,oimediato,ofugaz,oquecertamenteestáemoposiçãoàideiadoconhecimentoaprofundado,queexigetempoededicaçãoparaseralcançado.Aeducaçãoeoconhecimentocomobens,portanto,sãofala-ciososenãoestãoacessíveisatodos.Muitoaocontráriodisso.Oacessoeaquali-dadedaeducaçãopermanecematravessadospelacondiçãodeclassedoeducando:quantomaisprecáriassuascondiçõesdevidae trabalho,maisfragilizadassuaspossibilidadesdeaprendizagem.

Destaforma,aideiadacentralidadedoconhecimento,afinadaqueestácomoideáriopós-moderno(Harvey,2003),nãosematerializanosentidodavalorizaçãodohomemedamulheremsuaspotencialidadesepossibilidadesdeaprendizagem,concretizando-se, de fato, na suautilização como instrumentode agregaçãodevaloraocapitaledeatendimentoàsdemandasdomercado.Frigotto(1995,p.56)criticaestaperspectiva,classificando-acomoum“rejuvenescimentodateoriado

6.Frigotto(1996,p.35)analisaecriticaopensamentodeTofflerquenosapresentaatesedequeoproletariadoseriasubstituídopelocognatariado,oshomensdoconhecimento,nummundoemqueotrabalho,comocategoriaontológica,supostamente,teriasidosubstituídoporoutrasmaiscentrais,comoacultura,opensamentoreligioso,olazer.

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capitalhumano”.7Estetipodeconcepção,alémderejuvenesceraTeoriadoCapi-talHumano,desqualificadebatesrealizadosdesdeosanosde1960(inicialmenteporBourdieu),8querefletemsobreaintensainfluênciadaorigemsociocultural(e,acrescentamos,declasse),naescola.Odebateemtornodoconhecimentocomoumbem econômico,portanto,retrocedeemtermosdepensamentoeducacional.

Emtemposdeaparentecentralidadedo temaeducaçãoedeampliaçãodoacessoàescolarização9éimportantequepossamosproblematizartaisideias,bemcomooquadroemqueestásendodesenhadaaEducaçãobrasileirahoje.Éissoquepretendemosnopróximoitem.

1. Desenvolvimento: mais vagas e mais permanência frente à fragilização da escola pública

Partimosdoprincípiodequeaeducaçãoéumarelaçãosociale,comotal,emuma sociedade capitalista, precisa ser entendida como resultado de tensões declasseedoselementosquelhessãodecorrentes.Portanto,precisasercompreendi-dacomoprocessoinfluenciadointensamentepelaorganizaçãodabaseprodutiva,pelasformasdegestãodamãodeobra,pelaorganizaçãodostrabalhadoresedocapital,tendooEstadocomomediadordetaisrelaçõeseexecutordepolíticasso-ciais.Aeducação,portanto,influenciaeéinfluenciadapelaproduçãoereproduçãodasrelaçõessociais,sendoobjetivadanasvidashumanas.Assim,educarsupõeodesenvolvimentodoindivíduocomosubjetividadeecomosercoletivo.Educaré,ainda,umatopolítico,materializadoemumapolíticapública.

Observemosumdadorecentedestapolíticapara,aseguir,nosreportarmos,brevemente,aalgunselementosdesuahistória.Aampliaçãodoacessoàsvagasno

7.SegundoFrigotto(1993,p.38),achamadaTeoriadoCapitalHumanotevesuaformulaçãosiste-máticanofinaldadécadade1950,momentoemque“asrelaçõesintercapitalistasdemandavameproduziamestetipodeformulação”.Estacompreensãodarealidadepostulavaoacessoàeducaçãocomoinstrumen-todeequalizaçãosocial.Nestesentido,ocrescimentodoprocessodeescolarizaçãoconduziriaàmobili-dadesocial.

8.VeremBourdieu(1992).9.OMinistériodaEducaçãoeCiência(MEC),atravésdoCensoEscolar/2010,registra51,5milhões

deestudantesmatriculadosnoensinobásico,nasredespúblicaeprivadadoBrasil(Brasil,2010).Estames-mafonterevelaquetemos97%dascriançasmatriculadasnoensinofundamental.

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ensinofundamental(emespecialpúblico)deveserentendidaemsuacomplexida-defrenteaumasociedadeindustrializada,naqualoacessoaoconhecimentole-tradosepopularizaeondeomundodotrabalhosolicitacadavezmaisumamãodeobradetentoradeconhecimentos—simples,paraagrandemaioria(Kuenzer,2001)—focadosnaprodução,queprecisamserrequalificadospermanentemente(Antunes,1999).

Areferidaampliaçãodoacessoàescola—divorciadaqueestádaqualidadedoensino—nãotemsidoacompanhadadainfraestruturanecessáriaparaaorga-nizaçãodeumaeducaçãonacionaldequalidade.Nestesentido,somadaàtalam-pliação,destacamoscomofenômenocontemporâneodaeducaçãonoBrasilava-lorizaçãodeaçõesdevoluntariado,10comaconsequentedesprofissionalizaçãodoseducadores.Destacamos, ainda, as aprendizagens profissionais dissociadas defundamentaçãocientífica,realizadasforadosambientesformais,comvistaaoin-gressoereingressonomundodotrabalho(aindaquenãonecessariamente,oformal),bemcomoaquelasdequalidadefragilíssimacomoochamado“ensinoadistância”.Tambémsão expressõesdestequadroprogramas comooProuni,11 que isentaminstituiçõesdeensinosuperiordeimpostosepodemtransferirrecursospúblicosparainiciativaprivada,bemcomoacompradeserviçoseducacionaispúblicos,quepoderiamserobtidosatravésdeinstituiçõespúblicas,masquesãoadquiridosatra-vésdeONGseOscips(OrganizaçõesdaSociedadeCivildeInteressePúblico).

Aexpansãodestequadrogeraummodelodeformaçãoprecarizada,simplifi-cada,produtivista,quedesqualificaopúblicoevalorizaocapitalprivado,trazendoparaa instituiçãoescolarnovosdesafios,12especialmentenoensinofundamental

10.OProgramaAmigosdaEscola,daFundaçãoRobertoMarinho,éumexemploemblemáticodesteprocesso.

11.OprogramaUniversidadeparaTodosestáemvigênciadesde2004eoferecebolsasdeestudopar-ciaisouintegraiseminstituiçõesprivadasdeensinosuperior,paraestudantesquecomprovemrendafamiliarper capitaentreumsaláriomínimoemeioatrêssaláriosmínimos.Valeressaltarquecompreendemosqueestudantesfragilizadoseconomicamente,paraosquaisoacessoàuniversidadepúblicapareceimpossível,desejemviabilizarestaexpectativaatravésdoProuni.Oquequestionamoséoelitismodoacessoaoensinosuperiorpúblico.Porquenãodemocratizaroacessoaele?Aoque tudoindica,pareceestarsendomaisrentávelparaogovernofederalesuabasedesustentaçãoamanutençãodoProuni.

12.Manacorda(2000)reconstróiahistóriadaescolamoderna,relacionado-aàRevoluçãoIndustrial.Elelembraquenoseuinterioraquestãosocialsempreestevepresenteeque,emalgunsmomentos,ainstituiçãoassumiuumafaceassistencial.Estequadro,portanto,nãoénovo.Manacorda(2000)afirmaqueaescola passa,lentamente,comasolidificaçãodafábricaedavidaurbana,aassumiroutrospapéis,alémdadivul-gaçãoetrocadeconhecimento:elapassaasedesenvolvernosentidodacomplementaridadedavidadomés-

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—nossofocodeanálise.Falamosdaabsorçãoepermanênciaprecarizadadeumapopulaçãoextremamentepauperizada,privadadebensedeacessoaserviçospúbli-cosdequalidade,quereside,trabalha,sealimenta,temacessoàculturaeaolazerdeformaprecária,quepassaaexperimentaroespaçoescolarmaiscotidianamente.Emoutraspalavras,estamosdiantedeumaexpansãodoacessoepermanêncianaescola,semqueestainstituiçãotenhasidoavivadanosentidodofinanciamentoparasemostrar interessante, acolhedora, bela, capazdedialogar coma culturadestapopulaçãoingressante,dotadadeinfraestruturamaterialehumanaparaoseufazerdiário.Falamos,portanto,queaexpansãodasvagaseaampliaçãodapermanênciaacontecememummomentodeintensadesqualificaçãosocialepolíticadaescolapública,bemcomodiantedafragilidadedosrecursosqueasustentam.13

Rememorandonossahistóriarecente, lembramosqueodireitoàeducaçãoaparecenalegislaçãoeducacionalsomentenaConstituiçãode1946,aindaassimcondicionadoàofertadevagasexistentes (Saviani,2000).Portanto,oacessoàescolaeocrescimentodesuavisibilidadesocialéumfenômenonovoemnossopaís.Nestesentido,lembramosdeCunha(1995),queafirmaqueaindustrializaçãobrasileiraaconteceindependentementedaescolarização,ouseja,semqueamassatrabalhadoraprecisassedeumaformaçãoespecíficaparaserincluídanomundofabril,aprendendoseusofíciosnosespaçosdetrabalho.Ressaltamos,ainda,queapesardeavançosnocampodosdireitos sociaisapósadécadade1930,nossaprimeiraLeideDiretrizeseBasesdaEducaçãodatasomentede1961easeguinteeatual,de1996.Damesmaforma,nossoPlanoNacionaldeEducaçãofoienviadoaoCongressoem2010eéaindaobjetodequestionamentosporpartedasociedadecivilmobilizadaemtornododireitoàeducaçãopública,vistoqueapresentapro-postadeeducaçãoaquémdasnecessidadesdonossopovoedivergentedoperfildeumpaísquealcançouostatusdesextaeconomiadomundo.

Tambémlembramosqueaexpansãodaescolarizaçãodelongasfaixaspopu-lacionais, especialmenteosmaispobres, éum fenômenonovo14naexperiência

tica,realizandoatividadesatémesmodeassistência.Quandoissocomeçaaocorrer,nasegundametadedoséculoXVIII,jáépossívelperceberqueainstruçãodasmassasestavacolocadacomoproblemaaserenfren-tando,emespecial,peloEstadoModerno.

13.Verodebateemtornodadestinaçãodos10%doPIBaquijárealizado.14.Cunha(1995)destacaqueaeconomiabrasileiratemprescindido,historicamente,daampliaçãoda

educaçãodaforçadetrabalho.Paraesseautor,aindustrializaçãoe(incluímos)ocontatocomasnovastec-nologiastêmsidofeitoforadaescolaesemamelhoriadaqualidadeeducacional.

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brasileira.Sobreotema,acrescentamosquearecentepermanênciadosmaisfrágeiseconomicamentenasinstituiçõeseducacionaiséresultadodaassociaçãodospro-cessos de ampliação da ação doEstado na proposiçãode políticas sociais, doaprofundamentodaindustrialização,urbanizaçãoedacontratualizaçãonoBrasil,bemcomodeprogramassociais15—osprimeirosdatadosdadécadade1990—quecondicionamescolarização e assistência social. Portanto, trata-se de fenômenonovíssimoeemconstruçãoqueprecisaseracompanhadoeproblematizado,apar-tirdopressupostodequeaampliaçãodoacessonãoégarantiadeformaçãodequalidade.

Fundamentados emSavianni (2000) afirmamosque a educação e a escolapúblicabrasileiradoiníciodoséculoXXIestãodiantedeumabaselegalrecém--construídaetímida—nossaatualLDBdatadade1996—,minimalistaesubfinan-ciada,deumaredepública,emsuamaioriasucateada,deprofissionaisdaeducaçãomalremuneradosequeampliamsuasrendasatravésdemúltiplosempregos(esuasconsequências),frenteaumarealidadecomplexa,portadoradenovasdemandasparaestecampo:lidarcomasconsequênciasdoaprofundamentodaquestãosocialemsuasdiversasexpressões,refletidasnoespaçoeducativo,incorporar“novosprofis-sionais”emseucotidiano—inclusiveassistentessociais—semperderdevistasuafunçãoprecípua:aformaçãohumana.Assim,frenteaumasignificativaampliaçãodoacessoepermanêncianoensinofundamental,notadamenteopúblico,edocam-podetrabalhodoassistentesocialnaeducação,destacamosanecessidadedeaca-tegoriaaprofundarconhecimentosarespeitodasquestõesquerecortamestapolíticacomoumtodoeainstituiçãoescolar,emparticular.

1.1 O Serviço Social, a escola e a promessa do combate à pobreza

OServiçoSocialéumaprofissãorequisitadasocialmenteapartirdodesen-volvimentodadivisão social e técnicado trabalho,nocapitalismoemsua fasemonopolista(Netto,2001).Somosalgunsdostrabalhadoreschamadosaatuarsobreassequelascriadaspelaapropriaçãodesigualdosbensgeradospelahumanidadee

15.MacedoeBrito(2004)fazemaanálisecríticadosprogramassociaisquealiamauxíliofinanceiroepermanêncianaescola,porsuaaçãofocalizada,pelasdificuldadesdeefetivoacompanhamentoepelatímidatransferênciaderenda.

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sobreasconsequênciasdaexploraçãodaforçadetrabalho,fatosquepermitemquegrandesfaixaspopulacionaisfiquemàmargemdosprocessoscivilizatórios(Mésza-rosapudFrigotto,1995).Aspolíticaspúblicassãonossocampoprincipaldeinter-vençãoprofissional:“Oassistentesocialéoagentedeimplementaçãodapolíticapública”,[...]“nossabasedesustentaçãofuncionalocupacional”(Montaño,2003,p.244).Nossofazerprofissionalsefaz,portanto,sobreasconsequênciasdeummodelodeacumulaçãoexploradoredegradantedasrelaçõessociais,daforçadetrabalhoedanatureza,queseconcretizanadesigualdadeemsuasdiferentesfaces:pobreza,adoecimento,violência,abandono,desinformação,alienação,sofrimentomental,entretantasoutras.16

Nacontemporaneidade, inúmeros têmsidoosdesafiosdonossocotidianoprofissional:atuarempolíticaspúblicasprecarizadasesubfinanciadas,muitasvezescomvínculosdetrabalhoprecáriosecombaixaremuneração,atendendoausuáriosqueexperimentamemseucotidianoasconsequênciasdramáticasdasdesigualdadessociaisquemarcamnossopaísequepossuemimpactosobjetivosesubjetivosin-tensosemsuasvidas.

Noreconhecimentodestequadro,porém,nãocabeofatalismo.Cientesdenossarelativaautonomia,talcomoosdemaistrabalhadoresquebuscam“remarcontra amaré” da ordem social perversa e desigual estabelecida, apoiados emnossacompetênciateórica,técnica,éticaepolítica,caminhamosembuscadere-sistência,dadefesaaosdireitoshumanosedavalorizaçãodeumaculturaapoiadanacidadania(Yazbek,2009).Paratanto,estamosfundamentadosemumaformaçãoquedialogafortementecomomarxismoemsuacríticaàsociedadecapitalista,emnossoProjetoÉtico-Político,noCódigodeÉticaenaLeideRegulamentaçãodaProfissão.

Adimensãoeducativadenossapráticanosespaçosondeatuamosévisívelefundamental,vistoquenossaaçãovemsempreacompanhadadapalavra,dainformação, da troca, da escuta apurada (que deve ser crítica e solidária), dodebate,situaçõesemquepercepçõesdemundosãodifundidas,analisadas,ques-tionadas.Estaimportantecaracterísticapolíticaeeducativadenossaintervençãoprofissionalsefazpresente,comonãopoderiadeixardeser,tambémnocampodaeducação.

16.Ébomfrisar,porém,quetaiscondiçõesdetrabalhonãosãoespecíficasdoServiçoSocial,masdetodosaquelesprofissionaisqueatuamnasaçõesqueconfiguramachamadaproteçãosocial,emseuamploescopo.

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Nestaárea,17oassistentesocialtemestadomaisrecentementeatuandonoâmbitodagarantiadoacesso,dapermanênciaedavalorizaçãodagestãodemo-crática(Almeida,2003),bemcomonaexecuçãodeprogramassociaisincorpo-rados ou associados às instituições educacionais (como o ProgramaBolsaFamília,18ascotasnasuniversidades,aassistênciaestudantilvoltadaparadiver-sossegmentosdealunos,asaçõesformativasnocontraturnoescolar,adinami-zaçãodosdebatessobretemastransversaistrabalhadosnaescola,porexemplo).Combaseemnossaexperiênciaprofissionalacrescentamosquetemostambémimportantepapelnaconstruçãodeanálisesmaistotalizantesemtornodasexpres-sões da questão social nos espaços educacionais, demodo a problematizar apercepçãodosatoresquealiatuame formamsobrea famíliacontemporânea,sobreascondiçõesdeaprendizadodosestudantes,suascondiçõesdevidaetra-balho,suapercepçãosobreaescolaesuascondiçõesdepermanência(eidentifi-cação)nesteambiente.

Aampliaçãodesteespaçodetrabalhoénova,masnãoainserçãodaprofissãonocampodaeducação.Jánadécadade1950,comocrescimentodaintervençãoestatalsobreaquestãosocialedoaparatopúblicobrasileiro,oespaçoeducacionalganhavadestaquenocotidianodeaçãodoassistentesocial,emespecialnoSistema“S”enascreches,denominadas“parquesinfantis”(entãovinculadasàLBA),assimcomoemCentrosdeEducaçãoPopular.Nasdécadasde1980e1990,aatuaçãodeprofissionaisdeServiçoSocialnocampoeducacionalvaisetornandomaisexpres-siva(Almeida,2003),emespecialemaçõesnocontraturnoescolar,nosCentros

17.OsEncontrosEstaduaisServiçoSocialeEducaçãopromovidospeloCress/RJ,atravésdesuaCo-missãodeEducaçãoepelaFSS/PEPSS/UERJ,comoapoiodoProf.Dr.NeyLuizTeixeiradeAlmeida,têmrecebidocadavezmaisprofissionaisinteressadosemdebaterotema.Damesmaforma,oCress/RJtemor-ganizado,anualmente,cursoquedebateaprofissãonoâmbitoeducacional,comumamédiade50alunos/ano,entreestudanteseprofissionais.TambémtemcrescidooquantitativodeTCCs,dissertaçõese tesessobreotema.Lembramos,ainda,queoCFESS,apartirdepesquisajuntoaosassistentessociaisatuantesnaáreaem2011,produziuumdocumentodenominado“SubsídiosparaodebatesobreoServiçoSocialnaEducação”.Disponível:<www.cfess.org.br>.

18.OPBFatendea13milhõesdefamílias(MDS,2012).OvalormédiopagomensalmentepeloPro-gramaestánafaixadenoventa e seis reais mensais,segundooMinistériodoDesenvolvimentoSocial(MDS)eosvalorestransferidosvariamdeR$32,00aR$306,00.Talprogramatempermitidoapermanênciadeumnúmerosignificativodecriançaseadolescentesqueantesoscilavamentreamatrículaeoabandonoescolar,aolongodoanoletivo,segundopudemosverificaremnossaexperiênciaprofissional.Estapermanênciatemevidenciadonocotidianodaescolaexpressõesda“questãosocial”queanteriormenteerammenosvisíveis,oqueéumaspectopositivo,masprecisamossairdaverificaçãoepassaràação.

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IntegradosdeEducaçãoPública,osCIEPs19doRiodeJaneiro,bemcomoemini-ciativascomoasdoentãoBolsaEscola—programadetransferênciaderendaqueantecedeuaoBolsaFamília.

Oquevemoscomonovidade,naatualconjuntura,éaintensificaçãodapre-sençadaprofissãonointeriordaescola,aliadaàmultiplicidadedeexpressõesdaquestãosocialnesteambiente.Aestareflexãoacrescentamosqueasmudançasnoperfildafamíliacontemporâneaeacomplexificaçãodasdemandasparaosproces-sosformativos,hoje,sãodesafiosnovosnestecampo.Noprimeiroaspecto,desta-camos que as famílias brasileiras têm se transformado—menor fecundidade,maioresjornadasdetrabalhoimplicandoanecessidadedediversificaçãodarededecuidadoscomosfilhos (oquecolocaparaescolasecrechesmaisdesafios),novosarranjosfamiliares(Nascimento,2006),oquetrazparaointeriordosespaçoseducativostemasantestratadosprivadamente(separações,adoecimentos,violênciadoméstica,relaçãoentrepaisefilhos,debatessobregênero,problemasfinanceiros,porexemplo).Quantoàcomplexificaçãodosprocessoseducativos,entendemosqueumasociedadeurbana,industrializada,marcadapelatecnologiaeporinstru-mentos de comunicação sofisticados, desigual e diversa, solicita às instituiçõesformadoras tarefas de novo tipo.Portanto, novas práticas pedagógicas e atoresformadoressãoincorporadosaesteprocesso.

Este quadro se inscreve emuma totalidademaior, contraditória,mutável,histórica,tensionada,quetemseexpressadoemumprojetodeeducaçãosimplifi-cadoealigeiradoparaostrabalhadores,marcadopeladualidadeestrutural(Frigot-to,1993),quedevesercompreendidoapartirdacondiçãoqueocupamos—comopaís—nadivisão internacionaldo trabalho,vistoqueesta sónossolicitaumaapropriaçãoperiféricadoconhecimento(Bianchetti,2001).Emoutraspalavras,oespaçoocupadopelopaísnadinâmicainternacionalnãodemandaumprojetoedu-cacional que priorize a formaçãode cientistas, analistas e pensadores críticos,bastandoque formemosmajoritariamente (aindaquenão exclusivamente) umamassadeexecutoresdeatividadesprodutivassimples.

Nestamesmatotalidadeobservamos,ainda,aelaboraçãodeumaLDBqueSavianni(2000)identificoucomo“minimalista”,articuladaaummodelodeEsta-

19.OsCIEPs(CentosIntegradosdeEducaçãoPública)foramoscarros-chefesdogovernodeLeonelBrizolanoestadodoRiodeJaneiro.Trata-sedeexperiênciadeescolaintegral,elogiadapelainfraestruturamaterialecriticadapornãochegaràscriançasqueviviamemsituaçõeseconômicascomplexasquelhesimpediamafrequênciaàescola,emespecialastrabalhadoras.

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dofrágilnaexecuçãoefinanciamentodaspolíticaseducacionais,20queorganizaumaformaçãoempobrecidaparaostrabalhadores,determinadapelasnecessidadesdomercadoecimentadasobreaideiadascompetências.21Apolíticaeducacionalhoje,comoafirmamosanteriormente,temvoltadasparasimuitosholofotes.Aestaéconferidoumpapelsalvacionista,dedestaquenospalanquesdospolíticos,comosetodasasrespostasaosproblemasnacionaisfossemdecorrentesdaampliaçãodoacessoàescola.Nestesentido,aideiadequeasimpleselevaçãodospatamareseducacionais—independentementedainfraestruturaparatantoedascondiçõesdevidadapopulação—seráresponsávelporumarevoluçãoemtodososcampostemgrandeapeloevisibilidade.Estetipodediscursosimplificaumarealidadequenãopodesercompreendidanemtransformada,exclusivamente,apartirdoacessoàescola.Portanto,nãobastaaassociação lineare simplistaentre“escolarização--qualificação-emprego-superaçãodapobreza”,umavezquesabemosqueaçõesfocalizadas,emergenciais,descontinuadas,nãoredistributivas,ouseja,políticassociaisfragilíssimasedesarticuladasdaseconômicas,têmpapeldemarketingsocial(Campos,2003),maspoucaounenhumaefetividade.Apromessaintegradorades-tetipodepropostadeformação(Gentili,2001),portanto,nãosemantémdepédiantedeumolharmaisatento.

Nestamesmalinhaderaciocínio,apesardapoucaefetividadedesteprojetonosentidodemelhoriadaeducação,estapolíticatemsidochamadapararesponderauma“velha-nova”tarefa:ocombateàpobreza.22Esteconvite,porém,nãoéno-vidade.Aassociaçãoentreasaçõesdaatençãoàpobreza,comoutrasdocampoeducacional/formativo,estãopresentesapartirdaModernidade,conformesalientaManacorda(2000),ouseja,aassociaçãoentreaeducação,apobrezaeaformação

20.Umexemploconcretodestefatonoschamaaatenção.OBrasilficouem53ºlugaremavaliaçãointernacionaldealunos,emumtotalde65paísesanalisados.Nesteestudoforamverificadosavançosrelati-vosàmatrículaescolar,masestaampliaçãodoacessonãofoiacompanhadadaqualidadedoserviçopresta-do.Esteestudorevelou,ainda,queasescolaspúblicasestaduais,inclusiveasdoRiodeJaneiro,umdosmaisricosestadosdaUnião,figuramentreaspioresemtermosqualitativos(O Globo,7dez.2010).

21.Atributocognitivoeatitudinal,solicitadoaotrabalhador.Sercompetentesignificaestaridentificadoesentirpartedaempresaedesuafilosofia,oqueincluiformaçãogeral,capacidadeparagerenciarasimes-moeaooutro,capacidadeparaotrabalhoemgrupo,produtividade(Frigotto,1996).Bianchetti(2001,p.20),porsuavez,ressaltaqueanoçãodecompetência,cujafonteéodiscursodocapital,édotadadeextrema“plasticidade”,exigindoqueotrabalhadorsejamoldadosegundoasnecessidadesdaestruturaprodutivaedaorganizaçãodasempresas.

22.Aquientendidacomoumadasmanifestaçõesdaquestãosocialecomofenômenomultidimensional(Silva,2010),traduzidonascondiçõesobjetivasesubjetivasdavida.

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paraotrabalhomarcaocapitalismodesdesuaorigem.Diferentesanálises,dentreasquaisdestacamosasdeManfredi (2003),Cunha (1995)eAranteseFaleiros(1995),demonstramqueoBrasil,desdeos temposdaColônia, temutilizadooaprendizado(emespecialaqueledestinadoaformartrabalhadores)comoestratégiadecontrolesocialdaspopulaçõespobres.

Campos(2003),porsuavez,destacaqueostemasrelativosàpobrezaassumemvisibilidadenasociedadebrasileiraaolongodoséculoXX.Nestesentido,lembra-mosVargas,tambémdenominadode“PaidosPobres”,bemcomolembramosdodebatesobreasReformasdeBasedogovernoJango,dacríticaàditaduramilitaremseuaprofundamentodasdesigualdades,daretomadadademocraciaedabuscapordireitosnosanosde1980.Maisrecentemente,lembramosogovernoLuladaSilvaesuaspromessasquantoàreformaagráriaeàmelhoriadaspolíticasdesaú-deeeducação—que,seconcretizadas, teriamgrandeimpactosobreapobreza—faláciasque,efetivamente,nãosecumpriram.

Entendemosqueaabordagemdapobrezaassociadaaosprocessoseducacio-naisficaráevidenciadatantomaisaescolapúblicasetorneumlocalparaoqualosmaisfragilizadoseconômicaesocialmenteacorrem.Emoutraspalavras,quantomaisnecessidadedeconformaraforçadetrabalhoparaalógicaprodutivavigente,maior destaque receberá a educação.A escola, portanto, comouma instituiçãoclassista,degrandevisibilidadesocial,palcodosconflitosdeclasseeespaçoemqueachamadaquestãosocial,emsuasmúltiplasfaces,semanifesta,nãoatuaránocombateàdesigualdade,massimnaatençãoàpobrezaeconformaçãodospobres.

Aabordagemdapobrezaedeoutrasexpressõesdaquestãosocialpelaviadaescolaganharámaiorênfaseapósadécadade1990,23comaspolíticasdeampliaçãoquantitativadosanosdeescolarizaçãoedeestímuloàpermanêncianoespaçoes-colarsugeridaspororganismosinternacionaiseassumidasporgovernos(Torres,2001)—comooentãonascenteBolsaEscola.Aassistencialização(Mota,2008)dapolíticaeducacionaledosespaçosescolaresvai,então,setornandoevidente.Umadasexpressõesatuaisdestequadro—talvez,amaisimportanteporsuaex-tensãoevisibilidade—éoProgramaBolsaFamília(PBF)quetemcomocondi-

23.Em1990,emJontiem,naTailândia,organismosinternacionaisegovernosestiveramreunidosparaestabelecermetaseducacionaisparaoséculoXXI.Aampliaçãodosníveisdeescolaridade,apriorizaçãodepopulaçõesanalfabetasemulheresnasaçõesdeescolarizaçãoforamalgumasdestasmetas(Shiromaetal.,2000).Nasequência,osCongressosdaSalamancaeaConferênciadeNovaDélhideterminampadrõesdeaçãonocampoeducacional,especialmentenoqueserefereàatençãoaospobres.

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cionalidades amatrícula e a frequência escolar.Melhor explicitando, a famíliausuáriadevegarantiramatrículaeapresençaescolarmínima—em85%—parafilhosentre6e15anosede75%paradependentesentre16e17anos,afimdeefetivarpermanêncianoprogramaeacessoàtransferênciaderenda.

AfrequênciaescolarécompreendidanoPBF(eemprogramascomplementa-res)24comoinstrumentodeenfrentamentodapobreza,pelasmelhorescondiçõesdeacompanhamentoecontroledasfamíliasqueestaprática,supostamente,pro-porciona;daísuavalorização.Noentanto,assimcomonopassado,ascondiçõesoperacionaisedeinfraestruturaemqueaescolaestáinseridapermanecemprecáriase,mais do que isso, o contexto social e econômico emque a formação desteusuárioacontece—vistoqueestanão se restringeaoespaçoescolar—nãoéproblematizadaouanalisadapeloPrograma.

Assim,aqualidadedaeducaçãoeainfraestruturadebaseparaoaprendizadonaqueleambiente—condiçõesfísicasdoequipamento,tempodedicadoàformação,apoiosdisponíveisaoprocessocognitivodoseducandos,remuneraçãodosprofes-sores,suaspossibilidadesdequalificaçãoecondiçõesdetrabalho—,bemcomoascondiçõesdesobrevivênciadogrupofamiliardestascriançaseadolescentes,comopartesessenciaisdoprocessodeensino-aprendizagem,nãosãoconsideradas.Emoutraspalavras,ascondiçõesdevida—habitacionais,alimentares,deacessoaosdemaisserviçospúblicos,delazer,desaúde,comunitárias,entreoutras—does-tudanteedesuafamília—seuacessoaoconhecimento,tempodedicadoàforma-ção,acessibilidadeàinfraestruturadeapoioaoaprendizado25ecomoesteconjun-to influencia suas possibilidades de desenvolvimento— não são objeto deacompanhamento(oumesmodeanálise)peloPrograma.Assim,oqueestáemfoconoPBFsãoasfamíliaseseusindivíduos,comoelementosisoladosesobavaliação,enãoascondiçõessociaisemqueestessobrevivem.Destaforma,asdificuldadesfrenteàsregraseàaprendizagemnaescolasãovistascomoumproblemaasertrabalhado(esobaresponsabilidade)dafamíliae,poucasvezes,ainstituiçãoes-colareascondiçõesdesobrevivênciadestegrupofamiliarsãoquestionadas.Estequadronosfazpensarnaconduçãofrágil,individualizanteefocalistadesteprogra-

24.ComplementarmenteaoPBF,aprefeituradoRiodeJaneirodesenvolveoProgramaFamíliaCario-ca,quetambémtransfererendaetemcomocondicionalidade,alémdafrequênciaescolar,aparticipaçãodospaiseresponsáveisemreuniõesnaescola.Emtermosestaduais,temosnoRiodeJaneirooProgramarendaMelhor.

25.Falamosdebibliotecas,cinemas,museus,porexemplo.

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mae, contraditoriamente, na subutilização e desqualificaçãodas possibilidadeseducacionais,dearticulaçãoemelhoriadepolíticaspúblicascontidasnele.

Estapopulaçãohojeingressaepermanecenaescola,instituiçãopúblicado-tadadegrandevisibilidadeerelevânciasocial,especialmenteseconsiderarmosarealidadedeumpaíscomimensaconcentraçãoderenda,podereinformação,do-tadodealtosníveisdeanalfabetismo—segundodoCensode2011são13,9milhõesdeanalfabetoscomquinzeanosoumais,ouseja,quase10%dapopulação—,agorapossuidordemelhoresníveisdeacessoepermanêncianaescola.26Esteéumgrandedesafioparaaspolíticassociais.

EntendemosqueprogramascomooPBFrevelamoscontornoslimitadosdaabordagemdaquestãosocialedasexpressõesdopauperismonoambienteescolar,maseste tipodeaçãonãoédispensável.27Muitoaocontráriodisso,precisaseraperfeiçoado.Esteprogramapermite,defato,quecriançaseadolescentesdefamí-lias empobrecidasmelhorem suas condições de permanência na escola e suaspossibilidadesdeacessoabensfundamentais.Noentanto,issonãoésuficienteeosprofissionaisdeServiçoSocialprecisamdestacaremsuasaçõesque,somenteapermanência(daqualnãodevemos,jamais,abrirmão)nãogaranteodesenvolvi-mentodaspotencialidadesdosestudanteseamelhoriadaescola.Éprecisoiralém,massempreapartirdaarticulaçãocomoutraspolíticassociais.

1.2 A escola assoberbada de tarefas

Diantedaprecariedadedeoutras políticas (e nãohá comonegar que, emmuitaslocalidades,somenteaescolaéamanifestaçãoconcretadopoderpúblico),ainstituiçãoescolartemassumidoopapel,quasemessiânico,detrazersoluçõesparanecessidadesdiversas,deixandoemlugarsecundáriosuafunçãodeproverconhecimentoscientíficos,históricos,dalinguagem,matemáticos,docampocul-turaletc.Aindanosanosde1980,autorescomoBuffa,ArroyoeNosella(1987)

26.Aindaqueosníveisdeacessoàeducaçãoinfantilpermaneçamfrágeis,segundoreconheceopróprioMEC.Sobreotema,ver:<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Pradime/cader_tex_1.pdf>.

27.Entendemosqueumprojetodedesenvolvimentonacional,emumpaísdotadodetãosignificativasdesigualdades,deverácontemplaraçõesnocampodatransferênciaderenda.Portanto,políticascomooPBFnãodevemser,segundonossacompreensão,dispensadas,masaperfeiçoadasnosentidodesuauniversaliza-ção,melhoriadosrecursostransferidos,daaproximaçãocomosusuáriosedocontrolesocial.

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fizeramanálise crítica a este respeito.Em reflexão atualizada, datadade2001,Arroyorecolocaestemesmodebate,revelandosuaimportânciaaoafirmarqueaescolatemsetornadoumlugardeimprovisaçãoeemergencialismos,ondeaspos-sibilidadesdeaprendizagemefetivaestãofragilizadas.

Segundoestesautores,aodarrespostasainúmerasdemandas(eacrescen-tamos,semqueestainstituiçãorecebasuporteparatanto),aescolaacabacon-vertidaemummodeloprecáriodeensino,produzindo“quasealfabetizados”28 e improvisandorespostasparaasdiversasexpressõesdaquestãosocial.Seupapelreflexivoesocializadordoconhecimentoproduzido,assimcomoseusuporteparaleituraderealidade,ficamsecundarizadoseesmaecidos,frenteànecessi-dadederecebercriançaseadolescentesedeprepará-losparaasociabilidadeatual.Maisdoqueformar,aescolapassaainformarvaloreseatitudesparaestanovaordem.Neste sentido, lembramosacriaçãodeumanova semânticaemtornodaformação,conformereflexãodeFrigotto(2001).Segundoesta,novosconceitosafinadosàordematualsãopensados:oestudantepassaaperseguircompetências específicas,muitas vezes limitadas a aspectos atitudinais, emdetrimentodoacessoaoconhecimentoamplo,capazdelocalizá-locomosujei-tofrenteaomundo.Aeducaçãocomorelaçãosocialficalimitadaaformarfa-voravelmente(eprecariamente)paraaordemsocialvigenteeaescola,comoinstituição,experimentaumacúmulodetarefas.

Este chamamento à escola “que soluciona todosos problemas”, nãoporacaso, coincidecomoaprofundamentodaspolíticasneoliberaisnadécadade1990,naascensãoenamaterializaçãodestetipodepensamento,quandoocorreoaprofundamentodafuncionalidadedaeducaçãoaomercadoeaintensificaçãodaabordagemmoralizantedofenômenopobreza(Yazbek,1993).Apolíticaedu-cacionalterárepresentada,emseuinterior,anecessidadedeformarparaarees-truturaçãoprodutiva,paraotrabalhoflexíveleprecário,paraalógicaprodutivis-taeindividualistaeparaoalíviodastensõesdeclasse(Gentili,1996),aindaquediantedaresistênciadostrabalhadoresdaeducaçãoedesetoresdasociedadeaesteprocesso.29

28.OnúmerodeanalfabetosfuncionaisnoBrasiléalarmante.SegundoaPNAD(2009),25%dapo-pulaçãocommaisde15anosexperimentaestacondição.

29.Nestecampo,queremoslembraraaçãodoSepe/RJ(SindicatoEstadualdosProfissionaisdaEdu-cação)edaApeoesp/SP(SindicatodosProfessoresdoEnsinoOficialdoEstadodeSãoPaulo),emespecialnadécadade1990.

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Nestemesmo contexto é importante lembrar as recomendações doBancoMundial30quantoàpobrezanaschamadaseconomiasperiféricas(BancoMundial,2001).Elasfalamdoacessodospaísesperiféricosaumaeducaçãorápida,profis-sionalizante,voltadaparaomercadoeparaosvínculosinformais.Nãopodemos,porém,conferiraestesorganismosinternacionaisumpapelmaniqueísta—dealgozsolitáriodospaísesperiféricos—,umavez,quedefato,suasrecomendaçõessociaiseeconômicassomenteseefetivamcomosuportedaburguesianacionaledesuarepresentatividadenosgovernos.

Estesorganismosestimulam,ainda,aabordagemdapobreza,apartirdame-lhoriadosíndiceseducacionais.Nestesentido,compreende-sequeaeducaçãoéuminstrumentodeaçãoimportantenochamado“alíviodapobreza”.Estetipodeaçãoestáembasadonapercepçãodequeopobreéalguémprivadodecapacidadesmateriaiseintelectuaisparageriradequadamentesuavida.Sobestalógicaosfun-damentosdadesigualdadenãosãoquestionados,vistoqueofocoficano“alíviodapobreza”,nocombateasuaexpressãoabsolutaenacriaçãodeestratégiasparatorná-lamenosagressivaevisível.Nestesentido,atravésdaeducaçãoformaleinformal,ospobresdevemserorientadosaumacondutamaisproativa,adequadaeempreendedoradiantedavida.31

Nestamesmalinhadecompreensão,ospobrespassamaservistoscomorecur-sopotencialeabundante(Altmann,2002)—nosentidoprodutivistadotermo.Emoutraspalavras,ospobrespassamaserentendidoscomoumrecursodegrandepo-tencialeconômicoa serexplorado,oque implicaráumaabordagemdiferenciadadeles.Maisdoqueumproblemaevidenteetemível,maisdoqueumriscoà“esquer-dização”dasrelaçõessociais(Ammann,1987),ospobressãoredescobertoscomorecursoshumanosepossibilidadesprodutivas.Suascapacidadesparaoempreende-dorismo,geraçãoderendaeparaocolaboracionismoacríticodomundodotrabalhoserãovalorizadas.Haverá,portanto,umafetichizaçãodofenômenodapobreza.

Paraqueestequadrodecooptaçãodassubjetividadesdospobressejamate-rializado,oacessoaotrabalho,aindaqueprecárioedesprotegido,torna-seumarecomendação essencial, assimcomoamelhoria dos níveis educacionais e sua

30.OBancoMundialcontahojecommaisde160países-membros,entreelesoBrasil.Suaestruturadecisóriaestábaseadanosrecursosfinanceirosdisponibilizadosaoórgão,oquedefinequecercade50%dosvotosestejamnasmãosde5%dospaíses.AestruturadoBancoMundialreproduz,portanto,asrelaçõeseconômicasedepoderexistentesentrepaísescentraiseperiféricos.

31.EmpesquisarealizadajuntoàexperiênciadainserçãoprodutivadosCras(CentrodeReferênciadeAssistênciaSocial),observamosapresençadestetipodediscurso(Lessa,2011).

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profissionalização.Haverá,assim,comojádiscutidoaqui,umarevalorizaçãodaformação,especialmenteaquelaquesevoltaparaostrabalhadoresdosníveismaiselementaresdaprodução,estimulando-osaumarequalificaçãopermanente(Lessa,2011).Nestesentido,oacessoaotrabalhoeàescolarização—qualquertrabalhoequalquerescola—comoformadecombateàpobrezarecebedestaque.

As políticas educacionais, neste contexto, serão aliadas fundamentais noprojetodetornarospobresmaisprodutivoseintegráveisàlógicadocapital.Taisaçõesterãoforteconteúdomoral,sendoreveladorasdeumanovapedagogiains-tauradaparaamanutençãodaordemhegemônicadocapital(Neves,2005),forma-daporumaéticabaseadanomercado,noconsumo,nacompetitividade,naindivi-dualidadeenaprodutividade.

Aescolapúblicateráimportantedestaquenesteprocesso,despontandocomolocusimportantedeabordagemdospobres—práticabastantecomumnospaísescentraisdesdeadécadade1960(Connel,1995)—,constituindo-seemumadasinstituiçõesprincipaisnotratodaquestão.Paraosmaispobres,aspolíticaseduca-cionais serãoorganizadasdemodo a tornar o aprendizadomais acessível, semgrandesexigências,palatável,produtivista,independentementedaqualidadeedoaligeiramentodaformação.

Paratanto,oacessoeapermanêncianesteambienteserãofacilitadosatravésdetransferênciaderendaedeprogramasnocontraturno,masasescolaspermane-cerãosucateadas,desqualificadaseesvaziadasnafunçãopúblicadeeducar.ComoafirmaFrigotto(1993),ummodelodeescolapoucoatraenteedemáqualidadeestáemconsonânciacomadivisãointernacionaldotrabalhonaqualoBrasilseinserecomoumpaísperiférico,quenãoproduzciência e tecnologia em larga escala.Educamosparaoempregosimpleseprecário,paraavidaalienadaeconformada.Destaforma,estemodelodeeducaçãosimplificadora,aligeiradaeprecarizadaestáemconsonânciacomoquadrotraçado.

Nestecontextodemaximizaçãodopapeldaescolaedaeducação,masnãodesuaqualidade,asinstituiçõesescolaressãotransformadasemespaçosemquecabemquasetodasasaprendizagenseondeoatodeeducarpodeserrealizadoportodos. Neste sentido, voluntários podemoferecer aprendizagens esportivas, culturais,artísticas,32religiosaseatédesuporteàsdisciplinas,numaclaraalusãoaofatodeque

32.OutroexemplonotóriodesteprocessoéoProjetoAmigosdaEscoladaFundaçãoRobertoMarinho.Estaéumainiciativaatravésdaqualvoluntáriosadentramoambienteescolaroferecendoexperiênciasdi-versasaseremincorporadasàdinâmicadaqueleespaço.

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educaréumatarefasimples,nãoespecializada,quepodeserrealizadaporqualquerum,emclaroprocessode“desprofissionalização”edesqualificaçãodestaatividade.

Nestasmesmasescolas,OrganizaçõesnãoGovernamentaisoferecemativida-desnocontraturno—comooProjetoAceleraBrasildaFundaçãoAyrtonSenna,executadoemdiversosmunicípiosbrasileiros,inclusiveoRiodeJaneiro.Ocitadoprojetotemcomopropostaadequararelaçãoidade-sérienosanosiniciais,apartirdeapostilaspré-formuladas.Emoutraspalavras,comoopróprionomerevela,oprojetosepropõeaaceleraraaprendizagemdeestudantescomhistóricode“difi-culdades” neste campo—dificuldades essas que devem ser compreendidas deformaampla,podendoestarrelacionadasàscondiçõesdevida,alémdeaspectoscognitivosedesaúde—,oquenãonospareceestarocorrendo.Entendemostratar--sedeumapropostadeformaçãoverticalizadapelaONG,focalizadanoeducando,a partir de ummodeloúnico, quenãopercebeparticularidadesdos estudantes,viabilizadaatravésdatransferênciaderecursospúblicosparaosetorprivado,oquenosinspira,nomínimo,preocupação.Estequadrotornaaindamaiscomplexooacessodaclassetrabalhadorae,emseuinterior,dosmaisfragilizadoseconomica-mente,quejáexperimentamcondiçõesdesobrevivênciatãocomplexaseadversasàformaçãopropedêutica,adespeitodaampliaçãodeseuacessoàescola.

Inúmeros,portanto,sãoosdesafiosparaosprofissionaisdaeducação,dentreeles, os assistentes sociais.Neste sentido, é fundamental que possamos refletirsobrenossotrabalho,nestapolítica,suainserçãonasociedadecontemporânea,esobreapopulaçãousuária,suascondiçõesdevidaeparticipaçãopolítica,reconhe-cendopossibilidadesderesistênciaaesteprocessodefragilizaçãodaeducação.Devemosreconhecer,assim,contraditoriamente,queeducaçãoétensãoecontra-dição,reposiçãodaordemepossibilidadedeenfrentá-la.Suamaterializaçãoestáempermanentedisputanasociedade.

2. Considerações finais

ArelaçãoentreoServiçoSocial,apolíticaeducacionaleaescolapúblicaprecisasercompreendidaemsuasdeterminaçõesdeordemeconômica,socialepolítica,considerandosuaspotencialidadeselimitaçõesnocontextodocapitalismonestenovomilênio,queadespeitodeseusavançostecnológicosedesubstituiçãodotrabalhovivopelotrabalhomorto,paraotimizaçãodosprocessosdeacumulação

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decapital,aindaprecisadeumaeducaçãoquepreparehomensemulheresparaseusprocessosdeproduçãoereproduçãosocial.Narealidadecontemporânea,portanto,educaréumatarefacentralparaocapitalismo,vistoqueestesolicitaumaformaçãopropedêuticaparaumaminoriaeumaprendizadosimplificadoevoltadoparaomercadoparaasgrandesmassaspopulacionais(Kuenzer,2002).

Comoresistênciaaesteprocesso,éimportantereforçaroquãoessencialéainstituiçãoescolareoquãovitalestapodesernaconstruçãodeumprojetodeumanaçãosoberana,democrática,queorganizaseuspilareseconômicosnavalorizaçãodoconhecimento,daciênciaenabuscadocombateàdesigualdade.Noentanto,educaréumprocessoamploecomplexo,queextrapolaosmurosescolares;porissoaimportânciadacriaçãoderetaguardasedeoutraspolíticassociaiseserviçosnoentornodapolíticaeducacional.

Entendemos,portanto,queaestruturaçãoderetaguardasinstitucionaisederedesdeserviçospúblicosdequalidadeparaaabordagemdosproblemasquesemanifestamnaeducaçãoenaescolaéurgente.Responsabilizaredenunciargo-vernospor sua inadequadagestão, valorizar a lutados seus trabalhadores e aparticipaçãodasfamíliasedasociedadenointeriordosespaçoseducacionaisenosConselhosdeDireitossãocaminhosnestesentido.Estamosfalando,portan-to,emsentidoamplo,daslutasporseuadequadofinanciamentoecontrolesocialedaarticulaçãocomoutraspolíticaspúblicas.Nestemesmosentido,nocotidia-nodenossaprática,falamosdaimportânciadesermosprofissionaisdecondutademocráticaeolharindagador/pesquisador,quefugimosdosensocomumquenaturaliza a desinformação do usuário e a frágil qualidade da escola pública,capazesdedialogarcomapopulaçãoqueatendemos,entendendo-acomoresul-tadodeumprocessolongodedestituição,queapesardetudosobrevive,resisteelutapordiasmelhores.

Asdificuldadesnosentidodaorganizaçãodeumapolíticaeducacionaledeumaescoladequalidadeecomprometidacomumaeducaçãoemancipadorasãomuitas,masissonãoquerdizerquenãopossamospensaraeducaçãosegundoosfundamentosdoprojetoético-políticoqueorientanossaprofissão:ajustiça,odi-reito,aigualdade,anãodiscriminação,orespeitoàpluralidade,odiálogointelec-tualcomoutrascategorias.Pelocontrário.Ésobreestequadrocontraditório,con-flituoso,ésobreestefiodanavalhaqueconstruímosnossaaçãoprofissional,sendotambémesteoespaçoemqueaeducaçãoseconstrói.ComoafirmaSaviani(1995,p.87),adesigualdadepodeserconvertidaemigualdadeatravésdaeducação,mas

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não“emtermosisolados,masarticuladacomasdemaismodalidadesqueconfigu-ramapráticasocialglobal”.

Recebido em 20/7/2012 ■ Aprovado em 10/12/2012

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